MEDIDA RESTRITIVA

Justiça nega pedido do Ministério Público para adoção de lockdown em Pernambuco

O lockdown seria uma radicalização das medidas de isolamento social, com bloqueio total em que as pessoas devem, de modo geral, ficar em casa

LOURENÇO GADÊLHA
LOURENÇO GADÊLHA
Publicado em 07/05/2020 às 6:55
Leo Motta/ JC Imagem
FOTO: Leo Motta/ JC Imagem

A Justiça de Pernambuco negou, na madrugada desta quinta-feira (7), o pedido do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) para determinar lockdown no estado, ou seja, radicalização das medidas de distanciamento social, com bloqueio total de circulação de pessoas e atividades empresariais. O pedido do MPPE levou em consideração o aumento da curva de contágio do novo coronavírus no estado, que já totaliza 803 mortes e 9.881 infectados.

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A Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE vinha estudando com o Governo de Pernambuco, nos últimos dias, estratégias para intensificar as medidas de isolamento social com a intenção de achatar a curva de mortes e infecção por coronavírus no estado. “A gente está desenhando esse processo, estudando como fazer da melhor maneira possível para gente garantir que ele seja exitoso. É muito importante nesse momento achatar a curva para que a gente chegar ao pico da epidemia com um número menor de casos e de mortes”, apontou o secretário de Saúde, André Longo.

A decisão proferida pelo juiz Breno Duarte Ribeiro de Oliveira, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital, afirma que não cabe ao Poder Judiciário a definição das prioridades a serem adotadas de acordo com os critérios técnicos que são conferidos à outros poderes. Dessa forma, o juiz justifica que a decisão evita extrapolar o limite da atuação constitucional do Judiciário. A decisão ainda aponta o representante do Poder Executivo como responsável por tomar decisões “à vista dos fatos e com base nos elementos científicos presentes nas informações de que dispõe, a partir dos órgãos técnicos”.

Não vislumbro na causa de pedir qualquer afronta dos responsáveis, chefes dos executivos estadual e municipal aos ditames da razoabilidade ou proporcionalidade, além da legalidade, ao passo que também não extraio elementos suficientes de convicção quanto aos parâmetros adotados pelo autor na definição pormenorizada dos critérios e exceções para a aplicação do chamado lockdown. Nesse diapasão, levando-se em consideração a inexistência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito, INDEFIRO, em sede de cognição sumária, o pedido de tutela de urgência de natureza antecipada pretendido pelo Demandante - Ministério Público do Estado de Pernambuco, com fundamento no artigo 300 do CPC”, escreveu na decisão judicial.

Decisão na íntegra:

Tribunal de Justiça de Pernambuco
Poder Judiciário
1ª Vara da Fazenda Pública da Capital

AV DESEMBARGADOR GUERRA BARRETO, S/N, FORUM RODOLFO AURELIANO, ILHA JOANA BEZERRA, RECIFE - PE - CEP: 50080-800 - F:(81) 31810275

PROCESSO N.º 0021639-42.2020.8.17.2001

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO

RÉU:ESTADO DE PERNAMBUCO

RÉU:MUNICÍPIO DO RECIFE

DECISÃO

Vistos etc.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, através do Promotor de Justiça da 19ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital - Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor, com fundamento nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal, na Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), propôs a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de tutela de urgência de natureza antecipada, em face do ESTADO DE PERNAMBUCO e MUNICÍPIO DE RECIFE, pelos fundamentos fáticos e jurídicos expostos exordial.

Aduz o órgão do parquet que a ação proposta decorre do Inquérito Civil nº 02052.000.018/2020, instaurado de ofício no âmbito da 19ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, em 03 de abril de 2020, com a finalidade inicial de promover a ampliação do prazo de fechamento de parques e praias, visando em suma a contenção ou redução da velocidade de contágio e proliferação do Covid-19.

Sustenta, em apertada síntese, que os entes demandados não vêm desenvolvendo ações capazes de alcançar os objetivos de redução ou nivelamento da curva de contágio, a despeito de intensa produção normativa inferior.

Assegura que algumas das ações implementadas revelaram-se ineficazes, o que sugere uma ampliação substancial das medidas de restrição.

Requer finalmente a decretação do chamado lockdown, que seria a radicalização das medidas de distanciamento social, com restrições severas à prática de atividades civis e empresariais, circulação de pessoas e veículos.

Com a inicial juntou os documentos

Vieram-me os autos conclusos.

É o que interessa relatar. Passo ao exame da controvérsia.

A legislação infraconstitucional, regulou o pedido de tutela de urgência, a fim de que a parte adquira, provisoriamente, em sede de juízo não exauriente, o próprio pedido de mérito, que só seria analisado, por ocasião da sentença, desde que presentes os respectivos pressupostos, quais sejam, a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300, caput, do CPC).

Nesse sentido, depreende-se que um dos objetivos traçados pelo legislador infraconstitucional ao prever o instituto da tutela de urgência, de natureza antecipada, é manejá-lo como verdadeiro escudo protetivo para evitar lesões graves ou de difíceis reparações à parte interessada, desde que preenchidos os pressupostos autorizadores.

Volvendo-me ao caso concreto, numa análise percuciente dos argumentos expendidos pelo Promovente, e confrontando-se com elementos trazidas à baila pelo mesmo, desde logo, verifico que inexiste, ao menos neste momento processual prévio à instrução probatória, e à própria angularização processual, os requisitos legais.

Em verdade, a deflagração dos sucessivos estágios de alerta, acompanhados de medidas restritivas de diversas ordens, veiculadas através de instrumentos legislativos próprios, sob responsabilidade de entes governamentais, em todos os níveis, obedecem a protocolos internacionais e representam a tentativa estatal de enfrentamento de crise sem precedentes na história do país.

No presente momento, cabe a cada autoridade estatal, no limite de sua responsabilidade constitucional, estabelecer as prioridades eleitas, obviamente norteados pelo bem comum e tutelados pela legalidade. In casu, seria amplamente desejável que o conjunto de recurso disponíveis, nos diversos planos (orçamentário, materiais, humanos e tecnológicos) fossem suficientes ao atendimento irrestrito da demanda gigantesca que se apresenta. No plano fático, porém, esta assertiva distancia-se do ideal, diante da notória escassez e limitações impostas ao Estado Brasileiro, impulsionada por Pandemia de proporções ainda não suficientemente dimensionada.

Dentre os fatores fixados num panorama de hipercomplexidade que caracteriza o problema planetário ora sob foco, resta claro que a existência de infraestrutura urbana adequada, rede hospitalar suficientemente instalada, segurança alimentar, securitária e social, são fatores preponderantes para a definição de uma taxa adequada de sucesso no enfrentamento da crise sem precedentes.

A realidade nacional, e especialmente regional além da local, no entanto, salvo exceções estatisticamente dotadas de reduzida relevância, demonstram um déficit longínquo entre o fato concreto e a expectativa gerada.

No contexto acima, o domínio das informações que envolvem as necessidades e servem de base à tomada de decisões encontra-se indiscutivelmente centralizado nos órgãos estatais, que a partir dos dados oficiais devem ser capazes de dimensionar, no âmbito de suas possibilidades materiais e formais (incluindo os aspecto legal e orçamentário), os limites para as próprias ações, que indiscutivelmente revolvem as possibilidades políticas.

Obviamente que não se está aqui a advogar que o sistema jurídico seja hermeticamente fechado no plano operativo, numa modalidade de autopoises[1] ou autorreferência radical. Ao contrário, admite-se um sistema de intercâmbio, entre o direito e outros subsistemas, especialmente com subsistema político, porém de modo regrado a partir do acoplamento estrutural que é a constituição federal[2], sob pena de irritação tecidual, capaz de ensejar elementos de rejeição, com prejuízo para todo o organismo social.

A propósito, na recentíssima decisão colegiada proferida em 15.04.2020, o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 6341 por maioria dos membros da corte aderiu à proposta do ministro Edson Fachin acolhendo a necessidade de que o artigo 3º da Lei 13.979/2020 seja interpretado de acordo com a Constituição, de modo a reafirmar observância da autonomia dos entes locais.

Nos termos da decisão acima, a mitigação das faculdades, poderes e ônus exercidos nas raias da atribuição constitucional, relativamente à questão sanitária tratada, afrontaria o princípio federativo e da separação dos poderes.

Embora a questão analisada pelo Supremo estivesse vinculada incialmente a eventual interferência da União em competência dos estados, a ideia central foi, de fato, a preservação da competência legislativa e atribuição material dos demais entes da federação.

Nesse sentido, a invasão de competência não se justifica, de acordo com o mesmo raciocínio, por diverso poder, no espectro da repartição constitucionalmente estabelecida como cláusula pétrea (art. 64, §4º, III da CRFB)

Ressalte-se, ademais, que não cabe ao poder judiciário a definição das prioridades, a serem adotadas de acordo com critérios pretensamente técnicos, pelos poderes constituídos para o desempenho de tais funções, evitando-se que o poder judiciário extrapole o limite de sua atuação constitucional, para abarcar aspecto decisório pautado por conteúdo político, num exercício, portanto, de autocontenção judicial.

Neste momento, portanto, cabe ao representante do poder executivo tomar as decisões à vista dos fatos e com base nos elementos científicos presentes nas informações de que dispõe, a partir dos órgãos técnicos.

Nesta senda, não vislumbro na causa de pedir qualquer afronta dos responsáveis, chefes dos executivos estadual e municipal aos ditames da razoabilidade ou proporcionalidade, além da legalidade, ao passo que também não extraio elementos suficientes de convicção quanto aos parâmetros adotados pelo autor na definção pormenorizada dos critérios e exceções para a aplicação do chamado lockdown.

Nesse diapasão, levando-se em consideração a inexistência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito, INDEFIRO, em sede de cognição sumária, o pedido de tutela de urgência de natureza antecipada pretendido pelo Demandante - Ministério Público do Estado de Pernambuco, com fundamento no artigo 300 do CPC.

Intimem-se as partes para que fiquem cientes da presente decisão.

Citem-se os demandado, dispensada a realização de audiência do 334, ante a natureza da matéria em debate

Cumpra-se

Recife, 05 de maio de 2020

Breno Duarte Ribeiro de Oliveira

Juiz de Direito