FOME

Nós não eliminamos os motores da pobreza, diz economista sobre aumento da fome no Brasil

Segundo o IBGE, entre os anos de 2017 e 2018, cerca de 10,3 milhões de brasileiros passaram fome no Brasil

Yuri Nery
Yuri Nery
Publicado em 21/09/2020 às 16:32
Bruno Campos/ JC Imagem
FOTO: Bruno Campos/ JC Imagem

O Brasil, que havia saído do Mapa Mundial da Fome em 2014, volta a registrar índices elevados do problema entre a população. Para a economista e pesquisadora do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Lúcia Garcia, o Brasil não eliminou “os motores da nossa pobreza” e a prova disso é que o problema voltou rapidamente.

A especialista enfatiza que o Brasil sabe como lidar com a fome por já ter enfrentado o problema em outro momento. Ela destaca a necessidade da criação de políticas públicas como a solução para as questões que permeiam a pobreza no país. “Nós fizemos um caminho de superação desses problemas recentemente. Na primeira década do século XXl, até 2014, nós agimos de maneira a debelar todas as nossas mazelas sociais. Nós não eliminamos os motores da nossa pobreza porque eles voltaram rapidamente, mas nós sabemos como mitigar essas dores todas. Nós sabemos que precisamos de um programa de transferência de renda, que nós temos que olhar para as mulheres com atenção através de uma secretaria de políticas para mulheres séria, precisamos olhar para infância, para a juventude e suas perspectivas de futuro, e precisamos olhar para o Nordeste”, apontou.

De acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: Análise da Segurança Alimentar no Brasil, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 10,3 milhões de pessoas apresentavam insegurança alimentar grave, ou seja, não tinham acesso à comida e passavam fome.

Lúcia Garcia aponta que precarização das relações trabalhistas foi um dos fatores para elevação da fome no país no período analisado pela pesquisa. “A generalização da terceirização no mercado trabalho, a reforma trabalhista, o teto dos gastos públicos em dezembro de 2016, uma série de medidas que retiram o Estado da economia e reduzem o orçamento do gasto social, uma reforma da Previdência que , antes mesmo da grande reforma ser aprovada, reduzindo o espaço da Previdência na vida do brasileiro através de um processo muito mais rígido nas perícias médicas e muito mais lentidão na concessão dos benefícios. Portanto, nós tivemos, tanto pelo mercado de trabalho, quanto pelo orçamento público, a aplicação de uma diretriz governamental de paralisia no mercado de trabalho e na gestão pública. Ao paralisar a economia e a assistência aqueles que estão mais vulneráveis, nós geramos uma situação de menor renda, menor emprego e mais fome”, detalhou.

Pandemia pode agravar a fome no Brasil

Embora os dados analisados e divulgados pelo IBGE considerem apenas os anos de 2017 e 2018, não havendo nenhuma relação no aumento da fome no país com a pandemia do novo coronavírus, Lúcia Garcia afirma que a situação atual pode contribuir para que a situação fique ainda mais complicada. “A pandemia não atinge igualmente todos os brasileiros. Ela atinge de maneira muito mais aguda aqueles trabalhadores que não puderam entrar em home office e que tiveram que paralisar a sua participação produtiva”, afirmou.

Segundo a economista, a pandemia também atingiu fortemente as mulheres, responsáveis por chefiar boa parte dos domicílios com insegurança alimentar. “Nós sabemos que a maior parte dos domicílios com insegurança alimentar são aqueles chefiados por mulheres. As mulheres tiveram de sair do mercado de trabalho”, comentou, lembrando que a crise sanitária também afetou de forma mais acentuada os segmentos ligados à economia informal, onde as rendas são mais baixas.