ENTREVISTA

Covid-19: prevendo janeiro mais triste de nossas vidas, pesquisadora pede que população repense aglomerações

A médica pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo ainda pede que a população acredite nas vacinas

Ísis Lima
Ísis Lima
Publicado em 31/12/2020 às 11:43
Acervo pessoal
FOTO: Acervo pessoal

Em entrevista ao Passando a Limpo desta quinta-feira (31), último dia do ano, a médica pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, mostrou preocupação com as aglomerações que estão sendo registradas nas festas de fim de ano no Brasil e é enfática ao apontar para o início da segunda onda da pandemia da covid-19 em janeiro de 2021.

“O momento epidêmico que estamos vivendo é muito grave (...) Ainda conclamamos às pessoas para que repensem essas aglomerações. Temos visto situações que nos entristecem muito pelo risco que elas geram. Nós não temos dúvidas de que a segunda onda deverá se materializar no Brasil no mês de janeiro, ao qual já me referi como o mais triste janeiro de nossas vidas”, alertou a especialista.

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Espera pela vacina no Brasil

A pesquisadora da Fiocruz lamenta a demora para que o Brasil inicie a vacinação. “O Brasil está numa situação paradoxal. O país foi um celeiro bom e produtivo para os estudos de fase 3 das vacinas e, neste momento, nos encontramos com um certo atraso em algumas providências e até na negociação para obtenção das vacinas. No entanto, as que foram testadas no Brasil, sobretudo a CoronaVac, do laboratório chinês Sinovac junto ao Instituto Butantan, e a vacina da Astrazeneca junto à Fiocruz, se encontram com estudos da fase 3 publicados e um iminente momento de pedido de registro no Brasil”, detalhou.

Segundo a médica, a vacina da Astrazeneca e Oxford com a Fiocruz está com o cronograma mantido. “A Fiocruz vai entregar ao Ministério da Saúde o primeiro lote de vacinas no mês de fevereiro. O momento em que vai começar a vacinação na hierarquia dos grupos previstos pelo Ministério da Saúde nós não podemos precisar, mas eu suponho que no final do verão nós possamos começar a vacinar as pessoas de acordo com as prioridades”, apontou.

Na avaliação da especialista, tanto o Instituto Butantan quanto a Fiocruz conseguirão produzir uma quantidade suficiente de vacinas para o país. “Pela capacidade de produção do Butantan e da Fiocruz, uma vez as duas vacinas registradas, não tenho dúvidas de que o Brasil será capaz de produzir vacina suficiente para cobrir um percentual suficiente para interromper a epidemia no país”, garantiu Margareth Dalcolmo.

A partir de que momento a vacina irá controlar a pandemia?

A pneumologista Margareth Dalcolmo explica em que momento será possível afirmar que a pandemia está controlada graças à vacinação. “É preciso que haja uma proporção de pessoas vacinadas sobre o total. Nós conseguiremos interceptar a cadeia de transmissão da epidemia quando nós tivermos alcançado, não apenas os grupos de prioridade, mas o percentual de população equivalente a 50% ou 60% da população. Não tenho dúvidas de que num país como o Brasil nós precisaremos vacinar aproximadamente 100 milhões de pessoas para que nós tenhamos alguma tranquilidade de que interceptamos a epidemia e controlamos o número de infecções”, detalhou.

Dalcolmo ainda comenta que a vacinação, além de interromper a transmissão, também ajudará a prevenir casos graves da covid-19 e os óbitos. “Essas vacinas têm um impacto muito importante na prevenção da doença, sobretudo os casos graves e as mortes. Isso já é um efeito benéfico extremamente potente sobre essas ações. É preciso que a população entenda que vacinar é muito importante”, afirmou.

Todas as vacinas são boas

A pneumologista reforça que todas as vacinas são seguras e é preciso que a população confie nos pesquisadores. “Todas as vacinas serão boas, seguras e eficazes. Foram testadas com todo rigor necessário, nenhuma etapa foi pulada nesse processo (...) Nunca o ser humano produziu tanto em tão pouco tempo em prol do bem comum e da humanidade. É preciso que a população confie no que estamos dizendo”, comentou Margareth Dalcolmo.

Segundo a especialista, o ideal é que as duas doses da imunização sejam feitas com a mesma vacina. “O recomendado é que sejam tomadas as duas doses da mesma vacina para que tenhamos controle do que foi usado. O paciente vai receber no cartão de vacina a informação de que recebeu a dose X da vacina X e a segunda dose deve ser da mesma vacina. Pode acontecer algum atraso com relação ao dia marcado [para tomar a dose]”, disse, acrescentando que a situação não exclui os estudos cruzando o uso de duas vacinas para atestar a eficácia.

Crítica aos movimentos antivacinas

O movimentos antivacinas têm usado o argumento de que pessoas imunizadas sofreram reações alérgicas. Sobre a situação, a especialista critica duramente essas manifestações. “Eu considero os movimentos antivacinas marginais e criminosos. Não vacinar um idoso ou uma criança com qualquer vacina eu considero um ato absolutamente de violação de direitos humanos, considerando que as vacinas foram o grande modificador de nossas vidas no século 20. O que impede uma criança, hoje, de morrer de uma doença simples com difteria ou sarampo são as vacinas. Não há dúvida nenhuma. Para as viroses respiratórias, como a covid-19, a grande solução, igualmente, são as vacinas. Não estamos apostando em tratamentos ou em remédios porque sabemos que para uma virose aguda o melhor tratamento é a vacina”, afirmou. “Reações alérgicas são facilmente controláveis (...) Não houve nenhum choque anafilático ou efeito adverso grave. Usar esses argumentos me parece obscurantista e fora de qualquer propósito”, completou Margareth Dalcolmo.

De acordo com a médica, os relatos de que pessoas imunizadas têm sido bastante otimistas. “O que estamos recebendo de feedback de colegas e familiares que já se imunizaram em outros países, os efeitos colaterais são felicidade, alívio, grande contentamento nos núcleos familiares pelo fato das pessoas estarem sendo vacinadas”, contou.