Aluna do câmpus Recife do IFPE foi destaque nacional com crônica sobre a Muribeca

Da Rádio Jornal
Da Rádio Jornal
Publicado em 11/12/2012 às 10:46
Margarida Azevedo Jornal do Commercio

Lívia comemora a conquista com a orientadora Tatiana

A estudante Lívia da Silva Santos, 16 anos, do campus Recife do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), ganhou medalha de ouro na terceira edição da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Ela foi uma das 20 finalistas da competição, anunciadas ontem em Brasília. Lívia escreveu uma crônica sobre a Muribeca, bairro de Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, onde reside desde que nasceu. No Brasil participaram da olimpíada cerca de 3 milhões de alunos de 40 mil escolas públicas. Pernambuco teve cerca de 146 mil inscritos. Na final foram sete concorrentes pernambucanos. O tema que norteou todas as redações foi O Lugar onde Vivo. De acordo com a série do estudante ele escreveu um dos quatro gêneros literários do concurso: memórias, crônicas, artigo de opinião e poemas. Moro no Conjunto Residencial Muribeca. Apesar de ser uma casa, acompanhei a saída de vários moradores porque os prédios estavam rachados. Escolhi relatar isso na minha crônica, diz Lívia, aluna do 3º período do curso de eletrotécnica. Ela faz a formação técnica concomitante ao ensino médio. Fiquei muito feliz em ganhar a medalha. Aprendi muito pois tive que fazer e refazer o texto várias vezes, comenta a adolescente. O trabalho de Lívia foi orientado pela professora de português Tatiana Luna, que concorreu também com outro aluno, André Luciano Lins, 21, na categoria artigo de opinião. Lívia e Tatiana receberam como prêmio um notebook cada. A escola (IFPE) será contemplada com um laboratório de informática com 10 micros e uma impressora, além de projetor, telão e livros para a biblioteca. Os outros 19 vencedores da olimpíada foram dos Estados de Minas Gerais (4), Paraná (3), Ceará (2), Rio Grande do Norte (2), Rondônia (1), Pará (1), Sergipe (1), Acre (1), Amapá (1), Paraíba (1) , Rio Grande do Sul (1) e Santa Catarina (1). Veja a íntegra do texto medalha de ouro: Sob um teto de estrelas[1] Lívia Santos[2] Era um fim de tarde, desses que fazem o céu assumir seu tom mais alaranjado. Deitada no pequeno sofá- encaixado milimetricamente entre duas das paredes da salinha apertada-, absorta em meus pensamentos, mal pude ouvir o som desesperado lá fora. De repente o bater na porta convida-me a sair. Parado à porta está um homem: alto, magricela, colete laranja- tal como o céu também se vestia-, careca, o bigode escuro escondendo a boca com a qual me intima: - Senhora, o seu prédio vai desmoronar. Por gentileza, retire-se do edifício imediatamente. As paredes além do homem mostravam-se fissuradas e desgastadas pelo tempo. Sempre passando por elas, no entanto, nunca havia me dado conta dessa situação. O teto parecia apenas aguardar, cordialmente, a saída dos seus protegidos. O chão, tentando resistir, bravamente, à erosão, não obtinha sucesso. Nada se ouvia além do choro, do desespero, da agonia. As cores, em substituição ao laranja, agora se faziam vermelho e azul e dançavam agitadas aos gritos desesperados e inquietos das sirenes sobre os automóveis lá embaixo. Tentei correr, pegar as coisas que me valiam, mas logo fui impedida pela mão do homem que segurava meu braço enquanto dizia: - Senhora, não há tempo. Pela sua segurança, retire-se do prédio. Pernas trêmulas, olhos marejados. Desci cada degrau das escadas relutando com a realidade que me fissurava, me marcava como cada uma das paredes. Elas estavam marcadas pelo tempo; eu, pela ausência dele. Câmeras, microfones, repórteres, curiosos. No pátio, colchões, crianças, fogões, geladeiras, animais, cadeiras, mulheres, todos brigavam igualmente por um espaço no caminhão de mudanças. Olhei para a rua que sempre me abrigara nas noites de tédio, quando o sofá era, por qualquer ângulo, desconfortável e as conversas nos tamboretes eram mais instigantes. Ela agora se mostrava acolhedora, como uma mãe, e imensa. Sem Chão, Sem Teto (e, se isso indica alguma ambiguidade ao leitor, está no caminho certo). Os outros edifícios, abandonados ou não, cercavam-me como paredes. Sem laranja. As cores agora assumiam seu tom mais escuro. O azul e o vermelho recusavam-se a sumir. Sentei-me num meio fio e esperei atenta. Na pequena pracinha verde, as senhoras conversavam aflitas sobre a tragédia. A feira da sulanca, emprestada gentilmente pela festiva cidade de Caruaru (e ficam aqui os meus sinceros agradecimentos), que alegrava umas noites intercalares desse pequeno lugar, foi obrigada a dividir a atenção de seus contempladores com o tal edifício, que não saía da boca do povo. Eu, ainda impactada, ouvia ecoar as palavras que jorravam da boca de Miró, o poeta da Muribeca, que chorava, pedia, implorava pelo simples direito de seus irmãos de terem um lar. E não se ouvia falar em mais nada. Cada morador narrava sua versão do enredo. Quem dera fosse só o meu enredo, ou que se limitasse aos que me acompanharam nele. A história se repetiu, a história se repete em cada edifício do pequeno Conjunto Muribeca, um bairrozinho do Berço da Pátria e quase invisível diante de um Leão do Norte, mas que ainda ostenta em letras garrafais as boas-vindas aos seus visitantes, aos moradores e àqueles que tentam ficar, pois em terra de Muribeca quem tem casa é Rei, mas há sempre um cantinho velho para um desabrigado.