ENTREVISTA

Advogado da Lava Jato diz que prisão de Lula está confundindo Judiciário

Kakay defende que os condenados em segunda instância possam recorrer em liberdade e diz que o julgamento da ação está sendo atrapalhada pela "espetacularização" da prisão do ex-presidente Lula

Maria Luiza Falcão
Maria Luiza Falcão
Publicado em 11/04/2018 às 9:25
Wilson Dias/ABR
FOTO: Wilson Dias/ABR

Em entrevista à Rádio Jornal, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, afirmou que o direito aos condenados em segunda instância recorrerem do processo em liberdade pode beneficiar milhares de presos indevidamente no País. Kakay defende 18 envolvidos na Operação Lava Jato, mas afirma que a defesa pela prisão apenas quando se encerram os recursos não tem relação com um interesse pessoal, mas sim com a manutenção de um direito constitucional. "Meus clientes tem foro privilegiado", diz, esclarecendo que eles passam por outro processo de julgamento.

Ele afirma ainda que o Legislativo está amordaçado pelas ações do Judiciário. "É muito ruim esse ativismo judicial do Supremo. Eu costumo dizer que, como nós temos um Legislativo extremamente debilitado pelas inúmeras denúncias, é claro que temos que fazer investigação total, mas tem que ter um limite. Não podemos tem um poder amordaçado como está o legislativo", diz. "Por outro lado, temos um poder Executivo sem muita legitimidade [...] então, como existe vácuo de poder, temos hoje um super poder judiciário", afirma, dizendo que o judiciário chega a legislar e isso é ruim. Ouça a entrevista completa:

Na última segunda-feira (9), Kakay entrou com mais um pedido no Supremo Tribunal Federal para que o ministro-relator Marco Aurélio Mello conceda liminar e garanta aos condenados em segunda instância recorrer do decisão em liberdade. Embora Kakay afirma que a ação tem mais de dois anos e não tem relação com a prisão do ex-presidente Lula, a advogado concorda que a midiatização do caso está atrapalhando o julgamento isento. "Eu entrei com essa ação há dois anos e meio. Lula se quer era denunciado. Se nós tivéssemos julgado essa ação o ano passado, longe dessa celeuma toda que se criou em torno da prisão do ex-presidente Lula, nós teríamos julgado um princípio que vale para todos os brasileiros", afirma.

O criminalista alega que está sendo prejudicado pela pressão popular para a manutenção da prisão do ex-presidente Lula. "Infelizmente a presidente do Supremo resolveu julgar o habeas corpus antes da Ação Direta de Constitucionalidade, vinculou duas questões que não eram necessariamente vinculadas e gerou essa espetacularização, que certamente é negativa para todos os cidadãos. Essa ação não é casuística, não tem nome na capa. O habeas corpus tem nome na capa e muitas vezes gera uma espetacularização", diz.

Para Kakay, impedir que os condenados em segunda instância possam recorrer até a terceira instância em liberdade afeta diretamente o direito à liberdade garantido na Constituição. "O Supremo Tribunal Federal pode muito mas não pode tudo. Se o Supremo quer prender 20, 30 personalidades, então eles tem que saber que estão mudando uma cláusula petrea da Constituição. Amanhã ou depois eles podem mudar o direito à propriedade", diz. "Não podemos dar a um Poder o poder quase absoluto", argumenta.

O advogado afirma que o prejuízo aos cidadãos comuns seria maior que o benefício. "Esse princípio pode prender 20, 40 políticos, personalidades, mas vai estar levando para a cadeia milhares e milhares de pessoas desassistidas. De 100 pessoas que estão presas na segunda instância, 40 estão presas indevidamente", diz. Kakay ainda afirma que o trabalho feito pelas defensorias públicas surge um efeito positivo em cerca de 40% dos casos.

O caso Lula

Kakay diz que muitas vezes o processo que ele defende se confunde com a tese defendida pela defesa de Lula e isso tem prejudicado a sua ação. "Não sou advogado do Lula. Tive a infelicidade de ser julgado na mesma época e isso atrapalhou o meu processo", disse. "Nenhum dos meus 18 clientes seriam beneficiados com a tese que eu defendo. Todos eles têm foro privilegiado", diz ao ser perguntado se a Ação Direta de Constitucionalidade seria usada em benefício próprio. "Eu sei que é comum dizer que eu estou defendendo clientes que seriam privilegiados, mas essa não é a verdade", garante.

Os prejudicados

O criminalista afirma que o País tem a terceira maior população carcerária do mundo. De acordo com ele, são 800 mil presos e grande parte está presa indevidamente, prejudicando principalmente os pobres, os que não tem foro privilegiado e os que não tem acesso à Justiça. "Imagine o que é você estar num processo e ser levado para a prisão sem ter a culpa formada", diz. "O poder judiciário tem que dar segurança jurídica ao cidadão e ao Estado", diz, afirmando que existe, no atual entendimento do Supremo, uma insegurança jurídica.

Decisões monocráticas

Durante a entrevista, o advogado afirmou que vivemos uma justiça lotérica que muda de entendimento dependendo da turma do Supremo que recebe o processo. Ele também defendeu que as decisões tomadas por ministros de tribunais de justiça, inclusive do STF, possam ser contestadas. "Claramente vou defender a necessidade do cabimento do habeas corpus para decisões monocráticas do Supremo", diz. "Os ministros não são deuses nem semideuses, eles estão passíveis de erro. Não posso ter um ministro do supremo que não pode ser atacado por um habeas corpus que é um instrumento claro da garantia de liberdade", completa.

Para ele, a vontade de manter Lula e outros condenados em segunda instância presos está se confundido com o direito de toda uma população. "O que nós temos que pensar quando vemos um caso como este é sair do caso concreto e pensar um caso geral. Eu não acho correto que um ministro de qualquer tribunal tenha uma decisão que não pode ser contestada", diz. "Se o habeas corpus só serve para casos de liberdade, por que não usar contra uma decisão do Supremo que afeta a liberdade ?", questiona.