JUSTIÇA

Acusados de morte de mulher que fez aborto vão a júri popular

Em 2014, Jandira Magdalena, de 27 anos, morreu após tentar realizar um aborto em um clínica clandestina no Rio de Janeiro

Maria Luiza Falcão
Maria Luiza Falcão
Publicado em 10/08/2018 às 10:31
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
FOTO: Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Quase quatro anos depois, três dos dez acusados da morte da auxiliar administrativa Jandira Magdalena dos Santos Cruz, em 2014, começaram a ser julgados nesta quinta-feira (9). O júri popular ocorre no 4º Tribunal do Júri do Tribunal de Justiça Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e está previsto para terminar na madrugada desta sexta-feira (10).

Jandira morreu após fazer um aborto em uma clínica clandestina. O corpo dela foi encontrado mutilado e carbonizado dentro de um carro no dia seguinte, em Guaratiba, na zona oeste do Rio. Na época, o crime causou comoção e levantou discussões sobre o funcionamento de clínicas clandestinas de aborto no país.

Os acusados respondem por homicídio simples com dolo eventual (que é quando se assume o risco de causar a morte), omissão de cadáver, formação de quadrilha e aborto.

Estão sendo julgados Carlos Augusto Graça de Oliveira, que realizava os abortos e se apresentava como médico (ele não concluiu o curso); Rosemere Aparecida Ferreira, acusada de ser a líder da quadrilha e responsável por dirigir a clínica clandestina; e Vanusa Vais Baldacine, responsável por ter buscado Jandira na rodoviária de Campo Grande e levado para casa onde funcionava a clínica.

O julgamento de mais três acusados está previsto para o dia 20. O restante ainda não há data marcada.

Hoje, foram ouvidas quatro testemunhas: dois policiais civis que participaram das investigações, uma mulher que foi à clínica no mesmo dia em que Jandira morreu, mas desistiu de fazer o aborto e o frentista que teria vendido a gasolina, usada para queimar o corpo.

Interrogatórios

Nesta quinta-feira, apenas Rosemere foi interrogada. Ela confirmou que trabalhava na clínica clandestina e a formação de quadrilha para a prática de aborto. Segundo ela, todos que estavam na casa deixaram o local após a morte de Jandira. Depois de terem constatado a morte da auxiliar administrativa, Rosemere afirmou que foi até um sítio procurar Luciano Pacheco, apontado como miliciano, que aceitou se desfazer do cadáver. Ela negou participação na ocultação e mutilação do corpo.

Já Carlos Augusto e Vanusa usaram o direito de permanecerem calados. No entanto, vídeo exibido pelo Ministério Público mostrava o falso médico confirmando, em depoimento, que fazia abortos na clínica clandestina e cobrava R$ 600. Ainda no vídeo, Carlos Augusto também afirmou que abandonou o local quando constatou a morte de Jandira.

Após os interrogatórios e os debates entre Ministério Público e defesa, os jurados se reunirão em uma sala secreta para darem o veredito.

Família

Antes de começar o julgamento, Ângela dos Santos, mãe de Jandira, disse esperar que a justiça seja feita. “A última vez que eu vi [os acusados] foi horrível. Ver as pessoas que fizeram uma atrocidade com um filho, é difícil, mas no final eu perdoei porque não vai adiantar nada eu ficar com raiva. Só quero que a justiça seja feita. A minha filha, digo sempre isso, nunca escondo que ela foi errada e pagou com a vida dela. Eles [os acusados] têm que pagar também na justiça, tanto a dos homens, como a de Deus”, afirmou.

A motorista de transporte escolar, Joice Magdalena, lembrou que a irmã era alegre. “As filhas guardam essa lembrança dela”, contou. Jandira deixou duas filhas, agora com 13 e 15 anos, que estão sob os cuidados da tia e da avó.

Para Joice, o maior desafio é lidar com o lado psicológico das meninas para que tenham uma infância saudável. “Minha mãe tem o tempo total para elas, mas nada substitui uma mãe.”, completou.

Aborto

Em 2016, 203 mulheres morreram em decorrência de abortos induzidos, totalizando 2 mil mortes maternas nos últimos 10 anos. Por ano, são mais de 250 mil internações relacionadas a esse tipo de aborto em condições inseguras.

Dados do Ministério da Saúde apontam que, nos últimos 10 anos, o SUS gastou cerca de R$ 500 milhões em tratamento de complicações de aborto - que representam a 4ª causa de morte materna.

Atualmente, o aborto é permitido no país em três situações: quando há risco para a vida da mãe, estupro e o feto com anencefalia. De acordo com o ministério, em 2016, foram realizados 1.680 abortos legais no SUS. Em 2017, caíram para 1.636.

O Supremo Tribunal Federal (STF) realizou duas audiências públicas para debater a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. A ação não tem data para ser julgada na Corte.