TRATAMENTO

Recife consegue liminar após Ministério da Saúde tentar confiscar respiradores

Os respiradores serão utilizados nos novos leitos que foram montados para atender os pacientes com o novo coronavírus

Ísis Lima
Ísis Lima
Publicado em 23/03/2020 às 17:55
Isac Nóbrega/PR
FOTO: Isac Nóbrega/PR

O Governo Federal tentou confiscar ventiladores mecânicos (respiradores) que foram adquiridos pela Prefeitura do Recife. O município, no entanto, conseguiu uma liminar no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) que garante a posse dos equipamentos.

"O respirador é o bem mais precioso hoje para salvar vidas e o Governo Federal, numa atitude do centro diretor de logística do Ministério da Saúde, requisitou de todas as fabricantes todos os equipamentos a pronta-entrega e também aqueles que iam ser produzidos ainda nos próximos 180 dias. Dentre os quais estavam os do município do Recife, que se planejou com bastante antecedência", detalhou o procurador geral do Recife, Rafael Figueiredo.

De acordo com o procurador geral do Recife, o pedido do Ministério da Saúde não especificava qual seria a destinação dos equipamentos. "O ofício técnico do Ministério da Saúde era absolutamente genérico e simplesmente falava ‘me mande todos os respiradores da sua produção, tanto para pronta-entrega quanto futuro’, sem simplesmente discriminar para onde ia. Essa decisão do Ministério, talvez atabalhoada, poderia resultar em prejuízos em muitas vidas, sobretudo vidas dos nossos irmãos recifenses e pernambucanos", criticou Figueiredo.

O procurador geral lembra que a Prefeitura do Recife antecipou a aquisição dos equipamentos muito antes do início dos casos na cidade. "Nós criamos um comitê de resposta rápida desde 28 de janeiro atento ao movimento na China e Itália, para se antecipar a essa necessidade e quando os leitos estivessem prontos receber de imediato. Nesse momento, o Hospital da Mulher tem 208 leitos prontos aguardando esses respiradores e para nossa surpresa o Governo Federal tomou essa decisão que prejudicava o recifense", disse..

Rafael Figueiredo lamentou a postura do Governo Federal, mas acredita que pode ter havido uma falha técnica. "Todos estão precisando disso e o Ministério tem que atuar como parceiro de todos os órgãos integrantes do SUS, inclusive o município do Recife faz parte dessa força-tarefa do SUS (...) Nós queremos crer que foi uma falha técnica. Em nenhum momento a gente acredita que foi de má fé ou algo premeditado", pontuou.

Por ser uma decisão liminar, o Governo Federal ainda pode recorrer. "Mas não estamos trabalhando com essa hipótese. É injusto que haja a queda dessa liminar. Nós estamos trabalhando a todo tempo, chegando 6h30 e saindo meia-noite, para ter esse resultado muito mais ágil do que todos os entes federativos e não podemos ser punidos por nossa celeridade e proficiência”, comentou.

Confira a entrevista completa com o procurador:

A liminar

A liminar foi assinada pelo desembargador Lázaro Ramos. Confira a íntegra da sentença:

PROCESSO Nº: – SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA 0802886-59.2020.4.05.0000 REQUERENTE: RECIFE PREFEITURA

REQUERIDO: UNIÃO FEDERAL

RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Vladimir Souza Carvalho – Pleno

Decisão

Cuida-se de pedido de suspensão de liminar apresentado pelo Município do Recife/PE, com fundamento nos arts. 4º, § 7º, da Lei nº 8.437, de 1992, em face de decisão proferida pelo Juízo Plantonista da Seção Judiciária de Pernambuco, Subseção de Recife, nos autos da ação de rito comum nº 0806434-24.2020.4.05.8300, que indeferiu o pedido de tutela antecipada reclamado pelo Município, parte autora naquele feito.

Em suas razões para o presente pedido de suspensão, o Município sustenta que:
(a) a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), devido ao coronavírus (SARS-CoV-2), causador da doença COVID-19, sendo reconhecida pela própria OMS, posteriormente, a situação de pandemia;

(b) o Município do Recife, no exercício do dever constitucional de proteção à vida e à saúde da população, tomou diversas medidas em consonância com as orientações da Organização Mundial de Saúde – OMS e do Ministério da Saúde, antecipando-se, inclusive, a medidas realizadas por outros entes federativos;

(c) com efeito, a rede municipal de saúde já foi capaz de, em curto espaço de tempo, proceder à montagem de 150 (cento e cinquenta) leitos de UTI – Unidade de Tratamento Intensivo, contendo régua de gases medicinais, camas , monitores, bombas de infusão, ca falwer rdioversores, eletrocardiograma, carro de parada, plataforma de monitorização e Raio-X -, faltando apenas equipá-los com os ventiladores pulmonares indispensáveis para o tratamento dos doentes acometidos de COVID-19;

(d) conforme se tornou conhecimento notório, a equipagem das UTI’s de ventiladores pulmonares é absolutamente essencial para a redução da mortalidade decorrente da infecção, podendo-se mesmo afirmar que, sem esse equipamento, o tratamento da doença nos casos de média e alta gravidade é completamente insuficiente;

e) foram comprados mais de 200 ventiladores pulmonares das sociedades empresárias Magnamed Tecnologia Médica S/A FILIAL, Intermed Equipamento Médico Hospitalar LTDA. e Lifemed Industrial de Equipamentos e Artigos Médicos e Hospitalares S/A, conforme documentos em anexo, e ainda deverão ser adquiridos mais equipamentos com o fito de resguardar a saúde pública.;

f) ocorre que o autor tomou conhecimento da requisição de bens pela União, entre os quais todos os ventiladores pulmonares da Magnamed Tecnologia Médica S/A FILIAL, já adquiridos pelo Município e afetados à destinação pública;

g) sem os ventiladores, as UTI’s montadas pelo Município do Recife não se prestarão ao tratamento dos doentes acometidos de COVID-19, na medida em que o comprometimento da função respiratória é da essência da manifestação da doença e, na sua forma grave, é a principal causa de morte;

h) trata-se de cidade com alto número de idosos – são mais de 200.000 (duzentos mil) -, grupo de risco com acentuada e gradativa taxa de letalidade a partir dos 60 (sessenta) anos de idade, podendo-se chegar a 15% (quinze por cento) de letalidade aos 80 (oitenta) anos de idade;

i) mantida a requisição administrativa empreendida pela União – cujo destino é desconhecido, até porque o ato que a estabeleceu é completamente genérico, o que restou devidamente demonstrado na petição inicial da ação originária -, a grave lesão à saúde pública recifense certamente restará concretizada, dado que as UTI’s destinadas ao tratamento da COVID-19 deixarão de estar equipadas com o principal equipamento necessário para o enfrentamento das formas graves da enfermidade;

j) o caso concreto em deslinde demanda apreciação político-estratégica muito mais do que estritamente jurídica, razão por que o instituto da Suspensão de Liminar é sede absolutamente adequada para a abordagem da questão, dado que visa exclusivamente ao resguardo do interesse público, independentemente ou mesmo a despeito de considerações de ordem estritamente jurídica; k) também se verifica lesão à ordem administrativa, dada a completa inversão das competências alusivas à requisição administrativa e, ainda, ao desequilíbrio federativo provocado pelo ato da União;

k) se a Presidência pode sustar os efeitos de uma decisão judicial, igualmente pode sustar a eficácia de um ato administrativo. Assim é que a concessão de efeito suspensivo ativo a esta Suspensão de Liminar, de modo a sustar o ato administrativo atacado na ação originária revela-se plenamente cabível, notadamente quando em questão interesses induvidosos da coletividade;

l) sem tais equipamentos os cidadãos recifenses não terão tratamento médico satisfatório contra o Covid-19. O sistema de saúde pública municipal entrará em colapso, razão por que é límpido o risco de dano irreparável;

m) foram despendidos recursos públicos para a construção dos leitos de UTI e aquisição dos ventiladores pulmonares, de modo que a sua não instalação consistiria em desperdício de recursos públicos num momento crítico, além de impossibilidade de concretização do direito à saúde aos cidadãos recifenses.

Requereu, ao final, a suspensão de todos os efeitos da decisão indeferida pelo MM. Plantonista, nos autos do Processo nº 0806434-24.2020.4.05.8300, até o julgamento final da ação principal, sendo atribuído efeito substitutivo ativo à presente suspensão para determinar que:

a) a União se abstenha de se apossar dos referidos equipamentos, oficiando-se a fornecedora para que não atenda à requisição da Ré e entregue os bens ao Demandante;

b) seja determinado à União que se abstenha de requisitar os demais bens adquiridos pelo Município do Recife, junto às empresas Intermed Equipamento Médico Hospitalar LTDA. e Lifemed Industrial de Equipamentos e Artigos Médicos e Hospitalares S/A, bem como outras com as quais o Autor tenha contratado a aquisição de ventiladores pulmonares, oficiando-se as fornecedoras para que entreguem os bens ao Demandante;

É o que importa relatar. Decido.

Em conformidade com o regime legal de contracautela previsto nos arts. 12 da Lei 7.347/85, 4º da Lei 8.437, 1º da Lei 9.494/97, 15 da Lei 12.016/2009 e 240 a 242 do Regimento Interno deste TRF5, cabe ao Presidente do Tribunal a quem competir o conhecimento do respectivo recurso decidir sobre os pedidos de suspensão de liminar, de tutela antecipada, de segurança e de sentença proferidas pelos Juízes de primeiro grau, a fim de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Ressalte-se que, em sede de pedido de suspensão, não há que se analisar o mérito da lide, mas tão somente se a decisão combatida, tal como proferida, tem o condão de acarretar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, de modo que os aspectos de mérito poderão ser apreciados em recurso próprio, mas não no presente pedido de suspensão, no qual se faz mero juízo político acerca da possibilidade de dano a tais valores.

Nesse sentido, o egrégio Superior Tribunal de Justiça entende (…) não ser cabível o apelo extremo de decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão, uma vez que o apelo extremo visa combater argumentos que digam respeito a exame de legalidade, ao passo que o pedido de suspensão ostenta juízo político (AgRg no AREsp 126.036/RS, rel. min. Benedito Gonçalves, julgado em 4 de dezembro de 2012, DJe de 7 de dezembro de 2012).

Adstrita que se encontra esta Presidência aos lindes do exame que a legislação pertinente à suspensão de liminar lhe permite, cumpre perquirir se caracterizada grave lesão ou à ordem, à saúde, à segurança à economia públicas.

No caso sob luzes, sustenta o Município requerente que, com o aumento esperado no número de pessoas infectadas pelo coronavírus – o que deve ocorrer na próxima semana -, a instalação dos ventiladores nos leitos das instituições de saúde (preparados, inclusive, para esta finalidade) é de suma importância para a contenção do número de óbitos decorrentes da doença.

No exame que me é dado empreender, visualizo a ameaça de grave lesão à saúde pública de que trata o pedido de suspensão. Conforme asseverado pelo Município requerente – e de conhecimento notório -, a humanidade vivencia uma pandemia. O agente, conhecido como novo coronavírus, já provocou mais de 12 mil óbitos no mundo e avança a passos largos – em progressão geométrica – em nosso país.

Diante da ameaça que se aproximava, algumas autoridades públicas se anteciparam e adotaram as medidas necessárias à contenção do risco, ou à preparação de instalações, equipamentos e equipes para fazer face aos casos mais graves da doença. , informa o Município In casu do Recife, ora requerente, que adotou as providências necessárias, mediante preparação de leitos de UTI e aquisição de equipamentos – sobretudo dos ventiladores de que tratam a inicial e o pedido de suspensão – para tratamento dos casos mais críticos.

Ditos ventiladores pulmonares, conforme informações veiculadas pelos especialistas através da imprensa, têm significativa eficácia no tratamento e capacidade para reduzir a taxa de letalidade. São, portanto, indispensáveis, e sua aquisição, mais do que uma precaução, é imprescindível à proteção da vida.

Noticia o Município requerente, entretanto, que o Ministério da Saúde, através do Ofício n. 43/2020/CGIES/DLOG/SE/MS, requisitou à empresa Magnamed (fornecedora do equipamento destinado ao Município) a totalidade dos bens disponíveis e para pronta entrega, bem como a totalidade dos bens cuja produção se encerre nos próximos 180 dias. Pleiteia, assim, seja a União/requerida, obstada de ter a posse dos equipamentos já adquiridos pelo ente municipal, pedido este indeferido, em sede de tutela antecipada, na r. decisão do juízo . a quo

É certo que o artigo 4º, § 7º, da Lei nº 8.437/1992, faz menção apenas ao “pedido de efeito suspensivo”. Uma leitura inicial, destarte, poderia conduzir à ilação de que não estaria a Presidência autorizada a proferir decisão com efeito suspensivo “ativo”, diante de uma situação em que o de Primeiro decisum Grau tenha, não deferido, mas (como é o caso) indeferido a tutela antecipada.

Tal interpretação, entretanto, não atenderia ao escopo do instituto, máxime em situações em que a calamidade resta nitidamente configurada, e em que a decisão da Presidência, se não se dispuser a enfrentar tais entraves processuais, deixará de cumprir sua missão. Ademais, como salientado pelo Município requerente, se é dado à Presidência suspender uma decisão judicial, poderá, (com a fortiori maior razão), suspender o ato administrativo.

No caso dos autos, sobreleva a circunstância de já haver o Município requerente preparado os leitos de UTI para recepcionar as vítimas do novo coronavírus, de maneira que a não instalação dos ventiladores reverterá na inutilização de todo o aparato já montado, em claro prejuízo aos recursos públicos e, sobretudo, em claro prejuízo à saúde da população.

São estas as razões que me levam a concluir pela existência da ameaça de grave lesão à saúde pública e me encorajam a deferir a providência almejada.

Realço, entretanto, que deixo de proferir decisão quanto às “outras [EMPRESAS]com as quais o Autor tenha contratado a aquisição de ventiladores pulmonares”, eis que a medida, para ser cumprida, dependerá de especificação de seus destinatários. Ademais, não há menção a quantidades, de modo que melhor será, quanto a tal ponto, aguardar o pronunciamento da requerida.

Por este entender, defiro em parte o pedido do Município do Recife, para determinar que a União se abstenha de se apossar dos ventiladores pulmonares por ele adquiridos, oficiando-se a fornecedora Magnamed Tecnologia Médica S/A (filial) para que não atenda à requisição da Ré (efetuada através do Ofício n. 43/2020/CGIES/DLOG/SE/MS) e entregue os bens ao Demandante. Determino, ainda, que a União se abstenha de requisitar os demais ventiladores pulmonares adquiridos pelo Município do Recife perante as empresas Intermed Equipamento Médico Hospitalar Ltda. e Lifemed Industrial de Equipamentos e Artigos Médicos e Hospitalares S/A.

Ciência imediata desta decisão às partes, bem como ao Juízo de origem.
Expedientes URGENTES.
Desembargador Lázaro Guimarães
Vice-Presidente do TRF 5ª Região, no exercício da Presidência