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A gente está dando a chance dela viver, afirma diretor do Cisam sobre menina submetida a aborto

Aborto legal realizado em criança de 10 anos foi alvo de protestos no Recife

Ísis Lima
Ísis Lima
Publicado em 18/08/2020 às 17:23
Day Santos/ JC Imagem
FOTO: Day Santos/ JC Imagem

O diretor do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), Olímpio Barbosa de Moraes Filho, agradeceu o apoio que tem recebido diante das manifestações de religiosos contrários ao aborto que foi realizado na criança de 10 anos, que engravidou após estupros do tio. Ele afirmou ainda que apenas fez o seu papel de “amenizar o sofrimento das pessoas”.

“Eu me sinto exercendo o meu papel de médico de amenizar o sofrimento das pessoas, tratar com dignidade o ser humano, dar oportunidade de a pessoa reconstruir sua vida e assim que me sinto realizado como médico”, afirmou o médico.

No domingo (16), os dados da criança e a informação de que ela realizaria a interrupção da gravidez no Recife o que gerou protestos em frente ao Cisam por religiosos extremistas. “Em relação ao que aconteceu, eu fico triste. O que fizeram na maternidade, para mim, é uma coisa assustadora. Você tentar impedir que a equipe entre (...) fazer um cordão de isolamento dificultando o acesso num hospital de emergência, das outras pessoas que procuram a maternidade para ser acolhidas. Foi uma agressão muito grande o que a gente viu no último domingo. Eu não esperava isso. Tratamos isso com segredo. Nós não revelamos para ninguém [sobre a vinda da criança]”, contou.

O diretor do Cisam explicou que foi preciso acionar a Polícia Militar para garantir a integridade física dos médicos e impedir que o grupo entrasse no hospital. “O que eles iam fazer? Iam arrancar a menina à força? Eu não entendo. Nós somos médicos, nós estamos dando a chance para essa criança começar a viver, porque o que ela teve agora não é vida. É sofrimento. A gente está dando a chance dela viver com 10 anos de idade. Hoje, segundo a avó dela, foi a primeira vez que ela sorriu depois de muito tempo”, compartilhou o médico.

Olímpio Barbosa disse sentir orgulho do povo pernambucano e apontou que a quantidade de pessoas que hostilizaram a menina não representa a maioria. “A grande maioria demonstrou afeto. A quantidade de presente [que ela recebeu], de mensagem, de flor, de carta, as bolas, os cartazes nas paredes do Cisam, são mensagens de carinho. Ela nunca recebeu tanto presente. Ela voltou a sorrir. Eu acho que isso é o nosso dever de profissionais de saúde”, disse.

O Cisam não irá revelar quando a menina receberá alta para que ela não seja hostilizada novamente. Segundo o diretor do Cisam, a unidade de saúde está em contato com as autoridades do Espírito Santo.

Pesquisas sobre gravidez nessa idade seriam antiéticas

O médico obstetra integra desde 1996 o time de profissionais que atendem mulheres vítimas de estupro ou em gestação de risco que optam pelo aborto no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), no Recife (PE), onde atua como diretor clínico.

Segundo dr. Olímpio Barbosa, não existem pesquisas quanto à possibilidade de uma criança de dez anos suportar uma gravidez porque seria antiético. “Não existe na literatura porque não é ético ninguém fazer pesquisa sobre isso. Não existe no mundo ninguém que vá publicar trabalhos promovendo sofrimento desse, contra a vontade da criança, para produzir ciência. Isso é impossível. O que existem são relatos de casos esporádicos, muitas vezes não publicados, quando há uma falha do sistema. A gente não tem um número exato”, destacou.

O médico ainda reforça a violência que seria forçar a criança a manter a gravidez. “Além do risco da própria morte, imagine o sofrimento que é obrigar uma menina de 10 anos a dar à luz ao filho do estuprador, contra sua vontade. Ela estava desesperada, apavorada, sofrendo muito. Isso, para mim, é uma violência tão grave quanto o próprio estupro. Outra violência é divulgar o nome da criança, contato da criança”, comentou o diretor do Cisam.

Ele ainda critica aqueles que usaram a religião para justificar os ataques contra a menina. “Eu tenho certeza de que a maior parte das pessoas que tem fé sabe que o Cristo nunca pregou ódio, não podia chamar uma menina sofrida de assassina. Isso não tem nada a ver com religião”, finalizou.

Entenda o caso

Grupos protestaram contra e a favor do aborto em frente ao Cisam, no Recife
Grupos protestaram contra e a favor do aborto em frente ao Cisam, no Recife
Felipe Ribeiro/JC Imagem

No dia 8 de agosto, a criança deu entrada no Hospital Estadual Roberto Silvares, em São Mateus, no Espírito Santo, apresentando sinais de gravidez. Após a realização de exames, a equipe médica constatou que a menina estava grávida de ao menos três meses.

A menina foi transferida para o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), no bairro do Espinheiro, na Zona Norte do Recife, para interromper a gestação, no domingo (16). O serviço é referência no atendimento de casos como esse. O procedimento foi autorizado pela Justiça, mas os médicos do Espírito Santo preferiram não realizar o procedimento, por isso ela foi encaminhada para o Recife.

Houve confusão em frente ao local. Grupos de religiosos antiaborto protestaram contra o procedimento, acusando a menina e os profissionais de saúde de assassinato.

Segundo o Cisam, a cirurgia para interrupção da gestação foi realizada e concluída neste domingo (16). Ela passa bem.

Segundo o inquérito da Polícia Civil do Espírito Santo, a criança contou que era estuprada pelo companheiro de sua tia, um homem de 33 anos, há pelo menos quatro anos e que era ameaçada por ele, por isso não denunciou os abusos. O suspeito foi preso na madrugada desta terça-feira (18)

De acordo com a Polícia Civil do Espírito Santo, a prisão aconteceu na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais. O homem foi indiciado pelos crimes de ameaça e estupro de vulnerável, ambos praticados de forma continuada.

Nessa segunda-feira (17), o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) abriu investigação para apurar o vazamento de informações sobre o caso. De acordo com o MP, as questões envolvendo crianças e adolescentes são sigilosas e a divulgação constitui crime.