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Fiocruz Pernambuco confirma transmissão do Zika vírus sexualmente

Este ano, foram notificados em Pernambuco 1.985 diagnósticos positivos do Zika vírus em 98 cidades

Ísis Lima
Ísis Lima
Publicado em 16/10/2020 às 14:52
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FOTO: Reprodução/ Internet

Uma pesquisa da Fiocruz realizada aqui em Pernambuco confirmou que o Zika vírus pode ser transmitido no ato sexual. Esse é o primeiro estudo brasileiro e o segundo no mundo a identificar a transmissão sem a presença do mosquito Aedes aegypti. O projeto contou com a participação de profissionais da Universidade Estadual do Colorado (CSU) dos Estados Unidos.

"A via sexual não parece ser unicamente responsável pelo contágio sustentado do Zika, mas associada à transmissão pelo mosquito pode contribuir significativamente para a disseminação eficiente do vírus", apontou a pesquisadora Tereza Magalhães (CSU e Fiocruz PE), que coordenou o projeto, ao lado dos pesquisadores Ernesto Marques (Fiocruz PE e Universidade de Pittsburgh, EUA) e Brian Foy (CSU).

Entenda a pesquisa

Além do cuidado metodológico para tentar enxergar a transmissão sexual de forma separada da vetorial, a equipe do projeto precisou superar um grande desafio no início da pesquisa: a redução drástica dos casos de Zika, a partir de 2017 (em Pernambuco e em todo o país), que acabou inviabilizando a identificação de novos casos para se somarem à coorte do estudo. Assim, os investigadores precisaram buscar uma estratégia alternativa para o projeto, envolvendo participantes de uma pesquisa anterior, sobre diagnóstico de dengue, e moradores de suas residências. Realizado por Tereza e Ernesto entre maio de 2015 e maio de 2016, esse estudo recrutou pacientes atendidos na UPA de Paulista (PE) com sintomas sugestivos de dengue. O trabalho foi realizado em colaboração com o pesquisador da Universidade de Heidelberg (Alemanha) e CSU, Thomas Jaenisch.

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O resultado foi surpreendente, pois, ao final das análises, 60% dentre os mais de 250 pacientes estudados foram casos confirmados de infecções com os vírus Zika e chikungunya, sendo pouquíssimos casos de dengue. A partir desse conhecimento acumulado, foram convidados os participantes dessa pesquisa anterior (denominados index), seus parceiros sexuais e até mais dois moradores da mesma residência, formando uma coorte de 425 pessoas. O objetivo foi comparar, através de sorologia, a exposição prévia dos participantes aos vírus Zika e chikungunya. A hipótese era que a exposição ao Zika seria maior entre os parceiros sexuais, já que esse vírus é transmitido por sexo e pela picada do mosquito.

Foram coletadas amostras de sangue, realizados testes sorológicos e aplicados questionários, para responder a dois tipos de análise. Primeiro foi avaliado o risco da pessoa ser positiva para Zika ou chikungunya quando morando com paciente index soropositivo para o respectivo vírus, sendo ela parceira sexual ou não. Depois, esse mesmo risco foi observado em todos os pares de uma mesma residência, independente de serem formados pelo paciente index.

Os resultados apontaram que, no caso do Zika, o risco de ter sido exposto ao vírus foi significativamente maior (risco relativo de 3.9) para o parceiro sexual do que para o morador no mesmo espaço que não era parceiro sexual (risco relativo de 1.2). Para chikungunya, utilizado nessa pesquisa como "controle", o resultado foi bem diferente e o risco se mostrou igual para todos os moradores (parceiros sexuais ou não; risco relativo de 2-2.5). Na segunda parte das análises, os pares sexuais das residências tiveram uma maior probabilidade de terem sorologia concordante para o Zika do que os pares sem relação sexual, fato que não foi observado com o grupo chikungunya.

O estudo mostrou que a transmissão sexual do Zika em áreas endêmicas, associada à transmissão vetorial, pode ter sido um dos fatores responsáveis pela rápida disseminação do vírus nas Américas e em outras regiões afetadas pela pandemia em 2015/2016.

Este ano, foram notificados em Pernambuco 1.985 diagnósticos positivos do vírus em 98 cidades.