Senado

PEC Emergencial: votação de proposta que viabiliza auxílio emergencial é adiada; o que isso significa?

A PEC Emergencial, que possibilitaria o pagamento de um novo auxílio emergencial, vem sendo centro de polêmica, por causa de possíveis prejuízos à Saúde e Educação

Karina Costa Albuquerque
Karina Costa Albuquerque
Publicado em 26/02/2021 às 9:29
Marcelo Camargo/Agência Brasil
FOTO: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As divergências sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/2019, a chamada PEC Emergencial, que pode possibilitar o retorno do auxílio emergencial, dominaram a sessão do Senado, nessa quinta (25).

Vários senadores se colocaram contra o relatório de Márcio Bittar (MDB-AC), sobretudo em relação ao trecho que retira a vinculação obrigatória de parte do orçamento a investimentos com saúde e educação.

No fim, a oposição conseguiu adiar a leitura do relatório. Com isso, o texto será lido apenas na terça-feira (2), tempo para os senadores negociarem mudanças. A votação está prevista para quarta-feira (3).

Atraso nos pagamentos do auxílio emergencial

O impasse deve atrasar a retomada do pagamento do auxílio emergencial. Desta vez, a ideia é que até R$ 250 fossem pagos de março a julho, mas a medida depende da aprovação da PEC.

“O Brasil vai dar um sinal de que não abandona esses brasileiros que precisam do Estado para se alimentar, mas isso tinha que ser feito no mesmo movimento, também aumentando o rigor fiscal, e é isso que estamos conseguindo”, afirmou relator da PEC Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC).

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Presidente do Senado

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, espera que haja acordo entre as lideranças da Casa para que os dois turnos exigidos para a votação da PEC Emergencial (Proposta de Emenda à Constituição 186/2019) ocorram no mesmo dia: a próxima quarta-feira (3).

"Estará mantida na pauta de terça e quarta. Terça para realizar a discussão e quarta, aí sim, para deliberação e votação. Quero acreditar [que ocorram na quarta] os dois turnos de votação", declarou ele durante entrevista coletiva nesta quinta-feira (25).

obre as divergências que há em torno da PEC, principalmente em relação ao dispositivo que acaba com os gastos mínimos obrigatórios para as áreas de saúde e educação, Pacheco disse que a decisão final será do Plenário do Senado. O dispositivo foi apresentado pelo relator da matéria, senador Marcio Bittar (MDB-AC).

"Há a necessidade de o Senado e a Câmara apresentarem o que se chama de protocolo fiscal, de uma situação que demonstra a responsabilidade fiscal do país. A questão da desvinculação e da unificação de mínimos da saúde e da educação teve reações das mais diversas, inclusive por parte de senadores e líderes partidários, e a melhor forma de se dirimir essa e outras questões da PEC Emergencial é submetê-las ao Plenário do Senado para que se decida de forma democrática e majoritária se elas devem ser mantidas ou devem ser retiradas", afirmou.

O líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), defende o fatiamento da proposta, para que o trecho que desvincula recursos de saúde e educação seja tratado separadamente.

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Leitura

A reunião de líderes, na manhã dessa quinta (25), já havia acordado o adiamento da votação do relatório, mas o relator e o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra (MDB-PE), queriam, ao menos a leitura do texto hoje. Partidos de oposição se manifestaram contra essa leitura.

Esses senadores entendiam que não faria sentido ler um texto que certamente sofrerá alterações antes de uma eventual aprovação. Para eles, a leitura do relatório mandaria sinais confusos ao mercado e à sociedade.

Saúde e educação

Senadores manifestaram contrariedade ao trecho que envolve os recursos para saúde e educação. “Pelo relatório, há praticamente a revogação dos gastos mínimos com educação e saúde, o que nós não concordamos. Creio que mexer em educação deveria ser somente para avançar, e não para recuar”, disse Paulo Paim (PT-RS).

Alessandro Vieira (Cidadania-SE) propôs o desmembramento da PEC, separando a viabilização do auxílio emergencial, consenso no Senado, dos outros temas.

“Temos mais de 250 mil brasileiros mortos e, há dois meses, o cidadão não tem acesso ao auxílio emergencial. Ao vincular essa situação a um debate relevante, a reconhecida necessidade de travas fiscais à concessão da retomada do auxílio, estamos condenando mais brasileiros à miséria. E na miséria ele é forçado a ir para a rua, se contaminar”.

Outros senadores apoiaram a ideia, como Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Izalci Lucas (PSDB-DF).

Para senadores contrários à proposta, ela, na prática, inviabiliza o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), aprovado em dezembro. O Fundeb se torna permanente a partir deste ano para financiar a educação infantil e os ensinos fundamental e médio nas redes públicas.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) disse que o governo tem dinheiro para pagar o benefício sem acabar com o Fundeb. "Nós estamos agora numa tentativa de retirar a vinculação da Saúde e da Educação. Está na Constituição que se deve gastar um percentual específico. O Brasil, ao contrário do que dizem, não vive essa crise fiscal. O Tesouro Nacional tem, neste momento, R$ 1,5 trilhão. O Brasil é um dos países que tem o sistema fiscal mais rigoroso do mundo", afirmou.

Segundo Bezerra, a necessidade do retorno do auxílio emergencial não apaga a dívida crescente do país. “É urgente se viabilizar o auxílio emergencial. Por outro lado, um país que já tem de dívida contraída quase 90% do seu PIB [Produto Interno Bruto] é um país que precisa reforçar os conceitos da responsabilidade fiscal, da sustentabilidade da dívida”.

Segundo o líder do governo, prever o pagamento do auxílio sem prever a origem dessas receitas poderá provocar alta do dólar e inflação.

O senador ainda reconheceu que o relatório deverá sofrer mudanças antes de avançar no Congresso. “O relatório do senador Márcio Bittar é um ponto de partida com conceitos que precisam ser debatidos, que endereçam questões centrais, de poder enfrentar o colapso de muitas administrações estaduais e municipais. É preciso instrumentos para que a gente possa frear o endividamento”.

Durante as discussões, o PT pediu a retirada da PEC da pauta da sessão. Diante das divergências e com um plenário dividido, Bezerra atendeu a demanda da oposição e concordou na leitura do relatório apenas na terça-feira. Até lá, senadores devem trabalhar pela retirada, ao menos, dos trechos envolvendo recursos da saúde e educação, que sofrem grande resistência na Casa.

“Chantagem”

Durante a discussão sobre o adiamento da PEC, os senadores reiteraram as suas críticas aos termos da proposta. Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Zenaide Maia (Pros-RN) questionaram o interesse do governo em vincular o auxílio emergencial a uma reforma orçamentária. Para Zenaide, a atitude configura “chantagem” do Executivo.

"Se o governo tivesse interesse em aprovar o auxílio emergencial, a urgência estaria com uma PEC do auxílio emergencial em separado. Mas ele está exigindo do Congresso Nacional, chantageado, que vote contra a educação, contra a saúde, contra os servidores públicos", protestou ela.

O senador Major Olimpio (PSL-SP) também destacou a interrupção dos reajustes salariais para os servidores públicos como um aspecto negativo da PEC, afirmando que o governo quer “satanizar” a categoria.

"Não vamos permitir que os servidores tenham que pagar de novo a conta da corrupção, da incompetência, dos desvios públicos ao longo de décadas. O que está no relatório é lamentável, um congelamento por mais dois anos subsequentes à calamidade", declarou ele.

O senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) lembrou que o Congresso Nacional aprovou, no ano passado, a constitucionalização permanente do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), iniciativa que seria prejudicada pelos novos termos da PEC Emergencial.

"Se a gente concordar com essa PEC, cheia de “jabutis”, vamos desaprovar o Fundeb. Como é que o Brasil vai entender que, seis meses atrás, nós aprovamos o Fundeb, e, hoje, nós vamos 'desaprovar'?", questionou.

O senador Jean Paul Prates (PT-RN) listou outros itens da proposta que ele considera inconvenientes, que chamou de “bodes na sala”. Ele observou que outras despesas de combate à pandemia continuariam restritas pelo teto de gastos, que a PEC cria um “gatilho” de restrição de despesas para estados e municípios e que ela pressiona o governo federal a vender ativos de empresas estatais para conter o crescimento da dívida pública.

"É uma verdadeira concertação em prol do Estado mínimo que está em curso aqui, em plena pandemia, com o auxílio emergencial esperando", protestou.

O senador Fernando Bezerra Coelho defendeu as contrapartidas listadas na PEC, argumentando que elas são necessárias para que o auxílio emergencial seja uma política pública viável pelos próximos meses e para que o Brasil não perca o controle sobre o seu endividamento (a PEC dispõe que o auxílio será financiado pela emissão de créditos extraordinários).

"Um país que tem quase 90% do seu PIB de dívida contraída precisa reforçar os conceitos da responsabilidade fiscal, porque, se não mandarmos essa mensagem de que vamos honrar os compromissos, as expectativas se deterioram", ponderou.

A PEC Emergencial

A PEC Emergencial foi apresentada em 2019, como parte de um pacote de medidas de reforma fiscal, chamado de Plano Mais Brasil. Originalmente, ela trazia uma série de mecanismos de cortes de gastos que seriam acionados automaticamente de acordo com a situação das contas públicas. A proposta tramitava na CCJ.

Nesse formato, ela chegou a ter um parecer do seu primeiro relator, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), mas, com o agravamento da pandemia, as comissões interromperam suas atividades e a PEC não foi votada. No fim do ano passado, ela foi redistribuída para o senador Marcio Bittar, que também é o relator da proposta da Lei Orçamentária Anual para 2021 (PLN 28/2020). No início deste ano, essa PEC foi convertida no veículo para o novo auxílio emergencial.

Nesse novo formato, o conteúdo original da PEC se transformou em contrapartidas fiscais — entre elas está a limitação de gastos com pessoal. A essas contrapartidas se somaram dispositivos retirados de outra proposta do Plano Mais Brasil, a PEC 188/2019, que trata do pacto federativo. Dela veio a extinção dos gastos vinculados em educação e saúde.