A queda inesperada do ministro Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa tem como um dos principais motivos a relação conflituosa entre os interesses do presidente Jair Bolsonaro e a postura garantista e legalista do comandante do Exército brasileiro, o general Edson Leal Pujol. De acordo com fontes de vários jornais, Bolsonaro queria mais apoio do Exército, mas encontrava como obstáculo a firmeza de Pujol na manutenção dos deveres constitucionais de seus homens.
Em diversos momentos, Bolsonaro já recorreu à ideia de que o Exército brasileiro seria usado para defender o país de supostas ameaças enxergadas por ele. Em 21 de março deste ano, por exemplo, ao reclamar de medidas restritivas decretadas por alguns governadores no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, Bolsonaro disse a apoiadores: “Alguns tiranos tolhem a liberdade de muitos de vocês. Pode ter certeza, o nosso Exército é o verde oliva e é vocês também. Contem com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade”.
No início do mês, também contra medidas restritivas de circulação, Bolsonaro havia se referido ao Exército como “meu Exército”. Em 8 de março, ele disse: “Pode ter certeza de uma coisa: o meu Exército não vai para a rua para obrigar o povo a ficar em casa. O meu Exército, que é o Exército de vocês. Fiquem tranquilos no tocante a isso daí”, disse à época.
Essas e outras declarações do presidente constrangeram militares e causaram desconforto entre os principais líderes do Exército. Na realidade, os maiores nomes das Forças Armadas jamais ecoaram essas falas do presidente Bolsonaro.
Pelo contrário, em novembro do ano passado, o general Edson Pujol já havia explicitado a distância necessária entre o Exército e a política.
“Não queremos fazer parte da política governamental ou política do Congresso Nacional e muito menos queremos que a política entre no nosso quartel, dentro dos nossos quartéis”, afirmou Pujol em novembro do ano passado, durante evento com participação do ex-ministro da Defesa Raul Jungmann.
A declaração foi dada dois dias após o presidente Bolsonaro dizer que “quando acaba a saliva, tem que ter pólvora”, ao se referir a possíveis sanções que o Brasil poderia sofrer em razão do desmatamento da Amazônia. De acordo com reportagem do Blog do jornalista Valdo Cruz, do G1, militares da ativa ficaram irritados com a fala de Bolsonaro.
Pujol também disse, na ocasião, que o Exército não é instituição de governo nem tem partido. “Não somos instituição de governo, não temos partido. Nosso partido é o Brasil. Independente de mudanças ou permanências em determinado governo por um período longo, as Forças Armadas cuidam do país, da nação. Elas são instituições de Estado, permanentes. Não mudamos a cada quatro anos a nossa maneira de pensar e como cumprir nossas missões”, disse o comandante.
De acordo com reportagem do jornal Folha de São Paulo, neste mês de março, após as declarações recentes do presidente, um influente general da reserva negou a dois ministros do Supremo Tribunal Federal que o Exército apoiaria iniciativas autoritárias ou inconstitucionais.
Na contramão disso, a apuração do jornalista Gerson Camarotti para a Globo News revela que Bolsonaro queria mais influência dentro dos quartéis. Segundo um interlocutor próximo ao general Fernando Azevedo, Bolsonaro pressiona por mais engajamento das Forças Armadas em seu governo.
Conflito na pandemia
A pandemia do novo coronavírus também foi motivo de desavença entre Bolsonaro e Pujol. Enquanto o presidente negou a gravidade e minimizou os efeitos negativos da crise sanitária, chegando a provocar diversas aglomerações e fazendo questão de ser visto sem máscara de proteção, o comandante do Exército disse que a pandemia era a maior missão de sua geração.
No início de maio do ano passado, uma cena chamou bastante atenção e revelou a diferença de posicionamento entre os dois. Durante um evento no Rio Grande do Sul, na frente das câmeras da imprensa, Bolsonaro estendeu a mão para cumprimentar Pujol. Entretanto, seguindo as orientações dos médicos, o comandante do Exército se recusou a apertar a mão do presidente e ofereceu o cotovelo a Bolsonaro, que ficou visivelmente constrangido.
Repórter da Rádio Jornal em Brasília, Romoaldo de Souza disse na manhã desta terça-feira (30), no programa Passando a Limpo, que Pujol demonstrou, naquele momento, que, apesar de bater continência para o presidente, não apertaria a mão de ninguém durante a pandemia. Segundo Romoaldo, Bolsonaro jamais esqueceu daquela cena.
Depois do episódio no Rio Grande do Sul, o jornal Folha de São Paulo publicou que Bolsonaro pensava em retirar Pujol do comando do Exército. Especula-se que Bolsonaro tenha pedido para o ministro Fernando Azevedo e Silva trocar o comando do Exército e que uma possível resistência do ex-ministro tenha ajudado a provocar a demissão dessa segunda-feira (29).
Cargos à disposição
Os comandantes das três Forças Armadas devem colocar seus cargos à disposição do novo ministro Walter Braga Neto. De acordo com a Folha de São Paulo, ninguém espera que Pujol permaneça no cargo.