Igrejas são responsáveis por um dos pontos mais polêmicos em decretos estaduais e municipais que definem o fechamento de atividades não essenciais nos momentos mais críticos da pandemia da covid-19. De um lado, há quem diga que elas não devem funcionar pelos riscos de transmissão do novo vírus entre os fiéis e seus familiares. Por outro lado, há quem defenda os cultos presenciais levantando teses jurídicas para isso. O debate é tão crítico que o Supremo Tribunal Federal decide nesta quarta-feira (7) se elas podem ou não ser fechadas por determinação dos prefeitos e governadores. Mas, afinal, ir fisicamente à igreja é mesmo perigoso?
Há poucos meses, em novembro, pesquisadores da Universidade de Stanford publicaram um ranking dos lugares com maior risco de contaminação. De acordo com o estudo, igrejas estão no 6º lugar no levantamento dos lugares mais perigosos. Para se ter uma ideia, elas estão à frente de consultórios médicos (7º lugar) e mercados (8º lugar), mas são locais menos perigosos do que restaurantes (o local mais perigoso) e academias (2º). O estudo analisou o comportamento de 98 milhões de pessoas, de acordo com o jornal O Estado de São Paulo e foi publicado pela revista científica Nature.
Por quê?
Mas por qual razão as igrejas se tornam potencialmente perigosas para a transmissão do vírus? Pesquisadores das universidades de Oxford, no Reino Unido, e do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos EUA, explicam que fatores como circulação de ar, quantidade de pessoas e tempo de exposição interferem no maior ou menor grau de risco de contaminação.
Diversos estudos provam que a contaminação se dá, principalmente, pelo contato com gotículas expelidas durante espirro, tosse ou fala com alguém contaminado - mesmo que esta pessoa esteja assintomática.
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Os cientistas alertam que quando as pessoas cantam ou falam alto, como é visto em cultos e celebrações de vários segmentos religiosos diferentes, a possibilidade de contaminação aumenta, mesmo quando há distanciamento social de dois metros entre uma pessoa e outra.
Para exemplificar, o estudo relata o caso de um surto de covid-19 em um coral nos Estados Unidos. Apesar de manterem protocolos durante ensaios, 32 cantores do grupo ficaram doentes.
Superespalhamento
Em entrevista ao Estadão, o pesquisador da Universidade de Vermont (EUA) e membro do Observatório Covid-19 BR, o físico Vitor Mori, disse que, além do “risco muito alto” de transmissão, igrejas podem funcionar como eventos de “superespalhamento”. “A força motriz por trás da pandemia é ligada a esses eventos, onde muitas pessoas se infectam ao mesmo tempo. Normalmente acontecem em espaços fechados, com muita gente, onde as pessoas estão cantando ou gritando”, explicou.
“Álcool em gel e medição de temperatura são inúteis na transmissão pelo ar, que é a principal da covid”, acrescenta o pesquisador.
A Associação Médica Americana (AMA) foi contrária à reabertura de templos em um processo na Justiça dos Estados Unidos. Para a AMA, os eventos religiosos têm vários “fatores de risco” para a proliferação do vírus. “Grandes grupos de pessoas entram em um recinto fechado, sentam-se ou ficam em pé perto um do outro por uma quantidade significativa de tempo e, normalmente, falam e cantam”, argumentou a entidade.
Quando é o momento de fechar igrejas?
De acordo com o mestre em saúde pública pela Universidade de Harvard e médico do centro de pesquisa clínica e epidemiológica do Hospital Universitário da USP, Marcio Sommer Bittencourt, as igrejas não precisam ser fechadas durante toda a pandemia. “Em um momento menos intenso poderíamos ser mais flexíveis. Não precisa esperar acabar tudo, mas estamos no momento de transmissão mais intensa”, disse.
Caso emblemático
Na Coreia do Sul, na Ásia, o governo acredita que a Igreja de Jesus Shincheonji foi o epicentro do espalhamento da doença no país. No templo, os fiéis ficam sentados no chão e sem nenhum distanciamento físico.
Em agosto, o líder religioso de uma igreja de Seul, capital sul-coreana, foi preso por suspeita de esconder casos da doença entre os fiéis. Em setembro, a prefeitura da cidade pediu indenização de US$ 4 milhões a uma igreja da cidade. A acusação era de que os religiosos dificultavam ações de controle contra a covid.
Debate no STF
Nesta quarta-feira (7), o STF vai decidir se prefeitos e governadores podem ou não fechar as igrejas para conter a transmissão da covid-19. A divergência entre os ministros. Nunes Marques, é favorável aos cultos com fiéis presentes fisicamente. Para Gilmar Mendes, por outro lado, as pessoas devem acompanhar os cultos de casa.