Superação

Ex-catador de lixo no Recife ganha nova perspectiva de vida após encontro com MC em São Paulo

Ex-catador de lixo no Recife, Esquerdinha chegou a jogar nas categorias de base do Santa Cruz

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Davi Saboya

Publicado em 30/09/2023 às 17:56 | Atualizado em 01/10/2023 às 16:40
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A vida de Jackson Michael, o Esquerdinha, sofreu uma mudança total nos últimos três meses. Nascido no Alto Santa Terezinha, na Zona Norte do Recife, ele é filho de mãe solo e, assim como muitos brasileiros, sofreu com a falta de oportunidades e a origem humilde da família. Igual a todo adolescente, já sonhou em mudar de vida por meio do futebol. Porém, o mundo da bola, na prática, gera mais ilusão do que solução para os jovens.

Esquerdinha até conseguiu entrar para as categorias de base de alguns clubes pernambucanos. Entre eles, o Santa Cruz e o Íbis. Só que não engrenou no esporte e ficou de fora da minoria que consegue alcançar o sucesso. Ou pelo menos uma básica carreira na modalidade.

"Tive uma infância igual a quase todo moleque da comunidade. Bem humildade e sempre gostei de jogar bola. Podia ter qualquer coisa na minha vida, mas nunca deixei de bater a minha bola. Era o que me fazia esquecer tudo. Deixava de comer para jogar bola. Até hoje não desisti de jogar bola. Antes, eu enxergava no esporte uma chance de gerar uma melhor qualidade de vida para minha mãe e também para toda a família. Ela sempre foi minha base. Trabalhou na maior parte com limpeza na casa dos outros”, afirmou Esquerdinha.

"Minha mãe chegou a vender roupa usada na praça de Beberibe. Ela me criava junto meus irmãos e meus primos. Sempre morávamos todos juntos. Tem meu avô que sempre foi importante e guerreiro. Ele saia para o centro, onde vendia batata. Quando ele se foi, as coisas pioraram ainda mais. Ele nunca deixou faltar nada para a gente. Morávamos todos em casa pequena, humilde, umas 15 pessoas. Era uma briga para comer, às vezes não tinha nada. Um ajudava o outro quando as coisas apertavam. Minha tia ajudou bastante", lembrou Jackson.

ORIGEM HUMILDE

Apesar de toda dificuldade e decepção com o sonho de criança, Jackson não desistiu de lutar por uma condição de vida digna e também pensando na melhora da família. Ainda mais porque ele morou até o início da vida adulta com os irmãos e outros familiares em um dos morros do Recife.

Filho de Dona Jacilene, conviveu desde cedo com a mãe se desdobrando entre atividades de serviços gerais, ambulante e até pedindo ajuda na rua para não deixar de alimentar ele e os irmãos. Isso sem contar com tios que se viravam como podiam para também ajudar em casa, trabalhando até com reciclagem. Não à toa Jackson, ainda adolescente, foi parar no hospital com sintomas de desnutrição.

Arison Rodrigo/Divulgação

Esquerdinha na casa da mãe no Alto Santa Terezinha - Arison Rodrigo/Divulgação

A situação que nunca foi fácil conseguiu piorar ainda mais no início da vida adulta. Quando foi socorrer um irmão no hospital, Esquerdinha conheceu a esposa Josiane, com quem teve a pequena Jade. Como pai, se viu na obrigação ainda maior de lutar por melhores condições, agora, também pela companheira e, principalmente, a filha. Sendo assim, após desistir do futebol, Jackson foi trabalhar com o irmão, como catador de lixo, e morar no bairro do Jordão, na Zona Sul do Recife.

Afinal, foi a única alternativa que teve diante da falta de oportunidade para um rapaz, e pai, com o 2º grau incompleto. Nesse período, vivia junto com a esposa e filha, quase que apenas com um saco de cuscuz, uma mortadela e uma bandeja de ovos. Além disso, catava comida na rua para chegar em casa, lavar e comer junto com a esposa, que por conta disso teve até problemas de saúde.

"Nunca tive uma cama. Sempre dormimos no chão, um agarrado com o outro. Minha esposa também veio de origem igual. Tudo mudou depois que começamos a namorar. Fomos buscar um canto para a gente, já que tanto na minha casa quanto a dela não tínhamos privacidade. Aí lá para o lado da Zona Sul, eu comecei a puxar carroça. Foi quando consegui tirar uma renda e ter um lugar para mim e a minha esposa", contou Jackson.

"Mesmo assim, foi muito difícil. Minha filha chegou a comer muita coisa do lixo. Tinha 30, 40 reais para fazer uma feira de um mês para os três. Era o que sobrava para alimentação, após pagar aluguel, gás, água. Encontrava muita coisa no lixo e levava para lavar em casa e comer. Teve vez da minha esposa passar mal, acho até que foi um livramento. Ela passou muito mal", acrescentou.

IDA PARA SÃO PAULO

Nessa época, Esquerdinha contou ainda mais com a ajuda de grande amigo de infância: Andrew. Inicialmente, ele era um dos principais incentivadores do sonho no futebol, depois mandava dinheiro para ajudar Esquerdinha na criação da filha e, posteriormente, foi decisivo na virada de chave na vida de Jackson.

De tanto ver o amigo sofrendo e lutando para conseguir sustentar a esposa e filha com o mínimo possível, Andrew chamou Esquerdinha para morar em São Paulo e buscar um emprego na cidade. Antes, com uma maior graduação, deixou o Alto Santa Terezinha para trabalhar na capital paulista.

Arison Rodrigo/Divulgação

Jackson Michael, o Esquerdinha, ao lado da esposa e filha - Arison Rodrigo/Divulgação

"Andrew sempre me ajudou como podia, pois querendo ou não, tive que criar uma dívida para proporcionar o mínimo para a minha família. Foi quando, depois de levar a esposa e o irmão para São Paulo, Deus usou ele para mudar a minha vida. Nunca tinha andado de avião, fiquei até com receio. Chorei demais quando ele me chamou. Nunca tinha vivido coisa parecida", pontuou o Esquerdinha.

Sem oportunidades no Recife, Jackson, mesmo com medo, aceitou o convite do amigo (e irmão de consideração), que comprou a passagem. Não foi fácil o jovem, de 23 anos, deixar a esposa e a filha com a mãe e a sogra.

O GRANDE ENCONTRO

Chegando no território paulista, após a última festividade de São João, no mês de julho deste ano de 2023, Esquerdinha conseguiu um emprego como ajudante em um mercadinho. Para ajudar a família, aceitou trabalhar duas semanas, sem descanso. Quando teve uma folga, conseguiu com o irmão do amigo Andrew, uma entrevista para trabalhar em um posto de gasolina. Mal sabia que seria o local que mudaria tudo na sua vida.

"Entrei para o mercadinho já no primeiro dia. Meus patrões gostavam de mim e me ajudaram muito. Foi coisa de Deus mesmo. Eu não queria folgar. Precisava de dinheiro para enviar e ajudar minha filha, minha esposa. Meu amigo me ajudou bastante. O irmão dele estava tentando a vaga no posto e não estava conseguindo, mas eu já estava muito grato pelo emprego que tinha e não estava deixando minha filha passar por necessidade. Eu preferia não ter nada para ajudar minha família", comentou Jackson.

Arison Rodrigo/Divulgação

Jackson Michael quer espalhar a própria história para o mundo - Arison Rodrigo/Divulgação

"Quando eu soube da chance da entrevista no posto, fiquei muito grato, me ajoelhei no chão e entreguei a minha vida para Deus. A mulher do posto fez muitas perguntas e eu disse que estava lá para trabalhar. Disse que tinha tudo para dar errado na minha vida, mas estava lá como um trabalhador que queria ajudar a família. Foi tudo muito de repente, até os donos do mercado estranharam, mas depois entenderam", acrescentou.

No posto, trabalhou como frentista e lavador de carros. Certo dia, trabalhando até o início da madrugada, tudo começou a mudar quando atendeu e conheceu o MC Ryan. A humildade e naturalidade de Esquerdinha conquistou o músico, que puxou uma corrente de apoio no perfil pessoal no Instagram - o famoso e atual “arroba”. Poucas horas depois, Jackson, que tinha cerca de apenas 200 seguidores, tinha mais de seis mil solicitações de amizades.

Enquanto o perfil no Instagram crescia cada vez mais e atingia milhares de impressões e engajamentos, passou por muitas experiências. Boas e até ruins. Ganhando cada vez mais reconhecimento na região, o pernambucano acabou sendo demitido do posto. No entanto, contou com uma série de apoios que não deixaram a triste notícia o abalar muito.

"Eu fiquei sem acreditar que tinha encontrado e conhecido o Ryan. Tudo aconteceu muito rápido. Foi mais ou menos na segunda semana de trabalho no posto. Eu iria largar às 18h, mas a gerente pediu para eu esticar o turno. Por volta das 22h, chegou um carro bonitão, meu colega foi atender e eu fui para um Palio. Quando cheguei, olhei, fiquei sem acreditar que era o Ryan. Foi uma experiência surreal encontrar uma pessoa que só via pelo Instagram", afirmou Jackson.

"Eu não sabia mais de nada na hora. Só pedi para o pessoal me seguir, quando Ryan apontou o celular para mim. Larguei tudo na hora, deixei até a bomba do posto. Corri para o vestiário, peguei meu celular, quando voltei tinha um bocado de gente já falando com ele. Quando Ryan voltou, foi super gente boa. Pensei até que era um sósia. Deus usou ele para mudar minha vida. Um cara super humilde, que entrou na minha vida com um propósito. Acho que Deus tocou nele para me abençoar. Sou muito grato. Teve o Tcar, que me ajudou bastante também", completou.

UM NOVO CAMINHO

Atualmente, Esquerdinha conta com mais de 253 mil seguidores no perfil do Instagram e vive o início de uma vida no mundo virtual. No último final de semana, Esquerdinha retornou ao Recife para matar a saudade da família e realizar o sonho da mãe: sair do supermercado com o carrinho cheio de alimentos.

A passagem na capital pernambucana foi curta. Após cinco dias no Recife, Jackson retornou para São Paulo, pois agora quer aproveitar a ascensão na internet para espalhar a própria história de superação e determinação. Além, claro, de servir de exemplo para outros jovens.

"Quando Ryan falou comigo, disse para eu não deixar de acreditar em Deus. Ele olhou para mim e me viu como um moleque sofredor, que estava correndo atrás do pão. Ele puxou o celular e disse: 'amanhã você estará com 10 mil seguidores no Instagram'. Quando larguei, meu celular estava travando e nem vi nada. Mas, parece que foi Deus. No outro dia, peguei o aparelho para olhar a escala do trabalho no celular. Quando vi, o celular já estava travado de tanta coisa no Instagram, já estava com quase 7 mil seguidores", lembrou Esquerdinha.

"Minha vida está entregue nas mãos de Deus. Estou vivendo o propósito dele, fazendo coisas inesquecíveis, conhecendo pessoas novas. Um dia eu estava puxando carroça, agora estou sendo reconhecido por milhares de pessoas. Sabendo quem eu sou, quero mostrar que a favela venceu. E isso vai ser quando eu realizar o sonho da minha mãe que é dar uma casa para ela e ajudar a melhorar a vida da minha família. Quando eu estabilizar todos, cumprirei a minha missão. Foi emocionante chegar para minha e dizer: pode comprar o que a senhora quiser, eu choro só de pensar nisso”, acrescentou Jackson, bastante emocionado, que ainda lembrou como era difícil se alimentar na infância.

“Antes, a gente ia no mercado, eu pedia um todinho, um biscoito, ela dizia que não e que iria comprar no meu aniversário. Não tinha condição de comprar um brinquedo, mas dava um biscoito, um danone para agradar. Minha mãe nunca desacreditou de mim, é uma guerreira, mesmo com tudo acontecendo, sempre acreditou que eu seria alguém na vida. Hoje, quero estabilizar minha família e espalhar a minha história. Quero mostrar para os moleques da favela que vale a pena não desistir e não cair independente dos obstáculos. Cheguei e quero continuar com humildade, pés no chão e continuar com a educação que a minha mãe me deu”, finalizou, às lágrimas, o ex-catador do lixo e, agora, influenciador digital.

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