PANDEMIA

Covid-19: Não consigo garantir que o paciente ficou totalmente inconsciente, diz médico sobre falta de sedativos

Coordenador das UTIs de dois hospitais de referência para tratamento de pacientes com a covid-19 no Recife relata situação dramática

Ísis Lima
Ísis Lima
Publicado em 06/04/2021 às 20:23
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O médico Arthur Milach, coordenador da UTI-covid do Hospital de Referência Unidade Boa Viagem Covid-19 e do Hospital Eduardo Campos da Pessoa Idosa, ambos no Recife, relata cansaço dos profissionais de saúde, falta de sedativos e uma mudança no perfil dos pacientes acometidos pela forma grave da doença neste momento da pandemia.

Em entrevista ao Rádio Livre, nesta terça-feira (6), o médico, que é anestesiologista, revela que há momentos em que não é possível garantir a sedação completa do paciente. “Hoje, o Brasil inteiro passa por uma situação de desabastecimento de anestésicos. A gente tem que lutar todo dia, saber o que nós temos hoje. É propofol, midazolan? Acabou o midazolan. Tem cetamina? E por aí a gente vai rodando entre os fármacos sedativos a ponto de ficar algumas horas sem sedação nenhuma. Eu não consigo garantir que aquele paciente ficou totalmente inconsciente”, relata o especialista.

Cansaço das equipes

O especialista conta que outro problema enfrentando neste momento é o cansaço das equipes de profissionais de saúde. "O cansaço da equipe inteira é visível (...) Muitas vezes a gente tem desfechos bons. Uma grande parte das vezes, nem tanto. Isso acaba estressando, principalmente as equipes mais novas. Com o aumento do número de leitos, a quantidade de profissionais preparados para isso, não acompanhou a quantidade de criação de leitos. Isso acabou sobrecarregando muito os médicos especialistas que trabalham com doentes graves. Eles ficam, muitas vezes, supervisionando os profissionais mais novos. É um trabalho redobrado, tanto de cuidar do doente como também ajudar o colega no plantão", comentou.

Ele compara a situação das UTIs da covid-19 a uma "jornada". "Numa jornada você passa por momentos bons, ruins e muitas vezes você não sabe o que vai encontrar. Em um dos hospitais que eu cheguei essa semana, eu consegui dar alta para sete doentes. É um dia que você sai muito feliz, você conseguiu fazer alguma coisa. Mas o contrário também já aconteceu, de entrar num plantão e ter sete óbitos. Às vezes isso é desesperador", desabafou.

Segundo Arthur Milach essa é uma situação que ele nunca havia vivenciado. "Eu trabalho com doente crítico há, pelo menos, 12 ou 13 anos, e igual ao que a gente está vendo agora, nessa quantidade de casos graves, eu nunca tinha visto. Peguei o primeiro surto da H1N1, por exemplo. A gente esperou que fosse bombardear as nossas UTIs, e nem de perto o que nós estamos vendo agora se compara ao que passamos com a H1N1", disse.

Mudança no perfil dos pacientes

Sobre os pacientes que têm apresentado um quadro mais grave da covid-19, neste momento da pandemia, o médico afirma que o perfil mudou "bastante". "Na primeira fase da pandemia, nós tínhamos uma população bem mais idosa, chegando muito grave, adoecendo e indo a óbito muitas vezes", comentou. "Quando essa população começou a ser vacinada, a gente falou: 'ok, vai ficar tudo bem, porque agora vão começar os jovens a se infectar. Os jovens têm um sistema imunológico teoricamente melhor, vãos sair mais rápido e não vão ser tão graves assim'. A gente se enganou", completou o médico.

De acordo com Arthur, os pacientes jovens "estão chegando em condições até mais graves do que idosos chegavam". "A média da idade dos nossos pacientes baixou bastante. Tínhamos momentos em que a média da idade era em torno de 80 a 82 anos. Agora, a média de idade agora é de 60 anos", afirmou.

O contato com as famílias das vítimas

Ainda segundo o médico, os profissionais precisaram aprender uma nova forma de comunicar o óbito de um paciente aos familiares. "Todo profissional tem uma forma diferente de reagir a isso. Na UTI, eu sempre costumava conversar com as famílias, chamar de lado, ter esse momento, muitas vezes, olho a olho, ser acolhedor, conseguir ter um gesto empático com aquela família, e a covid teve que ensinar uma nova maneira de lidar com isso, que é a notícia inicial pelo telefone", explicou. "É muito ruim, muito distante, é como se você não tivesse ali pronto para acolher. Mas você tem que fazer da melhor forma possível para acolher essa família à distância. A gente também tá reaprendendo isso”, completou.

"Vírus pode te infectar e te matar, independentemente de você acreditar ou não"

Por fim, o especialista pede que a população respeite as medidas sanitárias de prevenção à covid-19 e alerta que "o vírus pode te infectar e te matar, independentemente de você acreditar ou não".

“Recife já chegou a ter na fila de espera, na semana passada, 260 pessoas aguardando uma vaga de UTI. Esse número reduziu, em uma semana, em torno de 120 a 130 pessoas esperando. Não foi porque elas conseguiram uma vaga de UTI. Elas faleceram no meio do caminho. Antes de tudo, tenha consciência (...) Use a máscara de forma adequada, cobrindo o nariz e a boca, passe álcool em gel na mão e mantenha o distanciamento social", finalizou.