Golpe de 1964: celebrar, rememorar ou lamentar?

Decisão de presidente Bolsonaro celebrar golpe militar desperta críticas e mostra feridas abertas 55 anos depois
Ravi Soares
Publicado em 30/03/2019 às 10:35
Ditadura militar durou, oficialmente, 21 anos: 1964-1985 Foto: Reprodução internet


Em 2019, o golpe militar que mergulhou o Brasil em uma ditadura que prevaleceu por mais de duas décadas completa 55 anos. A data chega no momento em que um defensor do regime militar (1964-1985) toma posse como Presidente da República.

A tentativa do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de celebrar o fato despertou críticas e fez reviver um dos momentos mais sombrios da história nacional. Acompanhe os significados do gesto e as seqüelas que existem até hoje no Brasil na reportagem especial “Golpe militar 55 anos depois: E agora?”, realizada pelos jornalistas da Rádio Jornal, Felipe Pessoa, Rafael Souza e Ravi Soares. Escute na íntegra no áudio abaixo.

Lembranças e feridas

Uma ferida que já dura 55 anos. Oficialmente, são 434 vítimas, entre mortos e desaparecidos. Mais de meio século depois, são muitos os questionamentos de quais lições foram tiradas do período em que o país viveu sob a ditadura militar.

No dia 1º de abril de 1964, o Brasil amanheceu em um golpe que encerrou o governo do presidente João Goulart (1918-1976), o Jango. Em Pernambuco, Miguel Arraes (1916-2005) estava no primeiro mandato como governador, foi preso e em seguida, exilado.

Para o historiador Rodrigo Bione, a ditadura foi um regime autoritário e só o fato dos defensores da ditadura associarem o 31 de março como o dia em que os militares chegaram ao poder, já é contestável. O golpe teria sido iniciado em 1º de abril, o famoso Dia da Mentira.

Bolsonaro e a ditadura

Eleito democraticamente em outubro de 2018, o presidente Jair Bolsonaro nunca escondeu o posicionamento em relação ao golpe de 1964. Até mesmo homenageou personagens emblemáticos da época, como o conhecido torturador e oficial do Exército na ditadura Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015). A homenagem mais famosa foi durante o voto de Bolsonaro na sessão do Impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT).

No primeiro “aniversário” do golpe militar após a eleição de Bolsonaro, o presidente não quer deixar a data passar em branco. Ele determinou que as Forças Armadas façam as devidas comemorações do início do regime. Após a repercussão negativa, o presidente atenuou o discurso, e disse que a intenção, na verdade,é rememorar os acontecimentos.

A reação foi imediata e um grupo de vítimas da ditadura pediu ao Supremo Tribunal Federal para suspender a determinação do presidente. O pedido não foi acatado pelo ministro Gilmar Mendes. No entanto, como o magistrado não analisou o mérito da questão, segue valendo a decisão judicial anterior, da Justiça Federal de Brasília, suspendendo qualquer celebração.

O Ministério Público Federal também lançou uma nota afirmando que comemorar a ditadura é "festejar um regime inconstitucional responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos". Para o cientista político Adriano Oliveira, a declaração de Bolsonaro não condiz com o estado democrático de direito.

Onde está meu filho?

O universitário pernambucano Fernando Santa Cruz tinha acabado de completar 34 anos quando desapareceu no dia 23 de fevereiro de 1974. O último a ver o estudante com vida, no Rio de Janeiro, foi o irmão dele, o advogado e ex-vereador por Olinda, Marcelo Santa Cruz. Para marcelo, a determinação de Bolsonaro para comemorar a ditadura é comparável, por exemplo, a celebrar o holocausto na Alemanha.

A pergunta desesperada “Onde está meu filho?”, de Elzita Santa Cruz, mãe de Fernando e hoje com 105 anos de idade, virou livro e representa a dor de milhares de brasileiros que tiveram que conviver com as consequências do regime.

Elzita Santa Cruz procura pelo filho, Fernando, há 45 anos
Clemílson Campos / JC Imagem

Inagurada em 2012, a Comissão Nacional da Verdade foi o primeiro instrumento oficial do governo brasileiro a reconhecer a ditadura militar. Um total de 377 pessoas foram apontadas como responsáveis diretas ou indiretas pela prática de tortura e assassinatos até 1988.

O relatório final da comissão foi entregue em 2014 e as recomendações de punição esbarram, no entanto, na Lei da Anistia, de 1979, promulgada durante a ditadura. A lei trouxe o perdão aos envolvidos dos dois lados do conflito, o que até hoje desperta críticas por ter nivelado condutas individuais com ações do estado brasileiro.

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