Entrevista

"Imoral e indigno", diz José Eduardo Cardozo sobre modo como Weintraub entrou nos EUA

Jurista afirmou que Weintraub entrar no país americano usando passaporte diplomático mesmo após a demissão pode configurar improbidade para Bolsonaro

LOURENÇO GADÊLHA
LOURENÇO GADÊLHA
Publicado em 23/06/2020 às 12:02
José Cruz/Agência Brasil
FOTO: José Cruz/Agência Brasil

Em entrevista ao Passando a Limpo desta terça-feira (23), o ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff (PT), José Eduardo Cardozo, criticou a maneira como o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub entrou nos Estados Unidos, se aproveitando do passaporte diplomático ao qual tinha direito para sair às pressas do Brasil. O documento perdeu a validade menos de 24h depois, quando a exoneração foi publicada no Diário Oficial da União. A ação é vista como parte dos interesses do Palácio do Planalto em retirá-lo dos holofotes do país, já que Weintraub responde à dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF). Na visão do jurista, ainda não é possível afirmar se houve crime, mas o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pode ter cometido improbidade administrativa.

"O governo norte-americano estabeleceu uma série de regras para que os brasileiros entrem no país, abrindo exceção apenas para autoridades em exercício da função. É evidente que houve um acordo de Weintraub e Bolsonaro para que a exoneração ocorresse depois que ele estivesse no país, para não se submeter à quarentena. Então, houve uma armação para ele entrar como ministro e logo após pisar em solo americano, ser exonerado. Isso é imoral e indigno, e configura improbidade, porque viola os princípios da administração pública e o dever ético do presidente. Não posso afirmar que resvale no campo criminal, mas no crime de responsabilidade não tenho a menor dúvida", afirmou.

Além deste episódio, Cardozo ainda garantiu haver inúmeros elementos jurídicos para a abertura de um processo de impeachment contra o presidente Bolsonaro. “A partir do momento em que o presidente a começa a participar de atos antidemocráticos e confraterniza com pessoas que querem a extinção do STF e do Congresso, quando quer assumir o comando da Polícia Federal, para que seus amigos não sejam investigados e seus inimigos sejam, quando coloca a sociedade em risco destoando dos padrões científicos no combate à covid-19, aí comecei a ver vários elementos que configuram crime de responsabilidade. Então, hoje, há mais peças que tabuleiro, porque a quantidade de situações é muito grande”, considerou.

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De acordo com Cardozo, apesar de vários pedidos de impeachment terem sido protocolados, cabe ao presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia (DEM), uma avaliação política para o seguir com o impedimento. “Ele (Rodrigo Maia) não pode dizer que não tem pressupostos jurídicos para a abertura do processo de impeachment, mas ele precisa fazer uma análise política dentro das suas convicções. A legislação que disciplina o processo de impeachment deixa um arbítrio muito grande na mão do presidente do Poder Legislativo, nessa perspectiva, cabe a ele a conveniência política de abertura do processo nos termos daquilo que a legislação consagra”, explicou.

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Operação Lava Jato e Sergio Moro

O jurista também criticou a maneira espetaculosa como a Operação Lava Jato era conduzida, principalmente sob o comando do ex-juiz Sergio Moro. “Não acho que esse tipo de situação quando atinge os adversários merecem ser aplaudidos e quando atinge os aliados, devem ser vaiados. Isso deve ser evitado porque situações espetaculosas não devem ocorrer. Não se pode ter operação policial acompanhada pela imprensa. Eu vi e recriminei, por exemplo, no caso daquela prisão do ex-presidente Michel Temer. Acho isso inaceitável, mas é uma postura pessoal de compreensão do Estado de Direito”, disse.

A conduta do ex-juiz Sergio Moro à frente da Operação Lava Jato, muitas vezes tida como arbitrária, foi apontada por Cardozo como “um exemplo a ser evitado na atuação de um juiz”.

“Não se combate corrupção prendendo-se pessoas arbitrariamente para fazer delações premiadas, condenando-se pessoas com convicções sem provas, negando-se atuação de advogados, privilegiando-se uma das partes que é o Ministério Público como todo o conjunto de conversas do The Intercept mostrou. Me parece muito claro que deve-se olhar caso a caso muito dos processos que ele (Moro) atuou. A conduta de Sergio Moro foi absolutamente questionável, não por sua postura de combater a corrupção, mas do modo em que ele combateu. No Estado de Direito, os fins não justificam os meios e como tal, a sua postura deve ser analisada sim e ficará escrita na história mostrando um papel que um juiz não deve ter", finalizou.

Ouça a entrevista na íntegra: