Entrevista

Presidente não cumpriu com sua palavra, diz Sergio Moro em relação a agenda de combate à corrupção

Ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Moro criticou a falta de apoio do presidente para implementar uma agenda anticorrupção

LOURENÇO GADÊLHA
LOURENÇO GADÊLHA
Publicado em 24/06/2020 às 9:30
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
FOTO: Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Dois meses após deixar o comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública alegando interferência do presidente da República, Jair Bolsonaro, no comando da Polícia Federal, o ex-ministro Sergio Moro disse, em entrevista à Rádio Jornal nesta quarta-feira (24), que o governo Bolsonaro abandonou a agenda para implementar projetos de combate à corrupção no Brasil.

“O que me incomodou mais foi a falta de um apoio a agenda anticorrupção. Chegou um momento que me vi sozinho defendendo essa bandeira no governo Bolsonaro. Rodrigo Maia disse que quer colocar a PEC da prisão em segunda instância em agosto. Vai ser um teste para o país, afinal de contas, estamos querendo voltar àquele passado de impunidade dos crimes dos poderosos ou queremos avançar para ter uma democracia e uma economia mais robusta? Esse foi um ponto, por exemplo, que eu entendo que o presidente não cumpriu com sua palavra comigo”, criticou.

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Moro explicou os motivos que o levaram a entender que a agenda anticorrupção não era uma pauta prioritária do governo federal. "Quando ingressei no governo, assumi um compromisso com o presidente e com o país de consolidar a agenda contra a corrupção, crime organizado e a criminalidade violenta. Em relação as duas últimas pautas, conseguimos aprovar coisas boas, inclusive no Congresso. Na agenda anticorrupção, que era fundamental para mim que saí da Lava Jato, ficou a dever o apoio do Palácio do Planalto. A minha impressão é que o Ministério da Justiça estava quase sozinho nessa luta. No decorrer de 2019, houve uma série de situações que foram comprovando essa percepção, primeiramente com a falta de apoio e depois consolidada nessa interferência da Polícia Federal por motivos que eu não podia concordar", disse.

De acordo com Moro, ainda há tempo para que o presidente Jair Bolsonaro “corrija o rumo do país”. Para isso, no entanto, o ex-juiz da Lava Jato considera que é preciso deixar discussões e declarações polêmicas para trás. “O país precisa de um acerto de rumos, com mais estabilidade. Evitar declarações polêmicas porque isso afugenta investidores. Não podemos, por exemplo, ficar discutindo atualmente temas da guerra fria como comunismo ou ainda lá trás como o fascismo. Estamos no meio da pandemia e vamos ter um baque econômico severo, além da agenda do século XX que não resolvemos como a educação de qualidade para todo mundo, a retomada do crescimento econômico, a desigualdade. É muito fácil mudar, basta o Governo Federal evitar essas declarações que geram instabilidade", avaliou.

“Temos que olhar para o futuro, mas sem esquecer os problemas do presente, porque não tem como varrer para debaixo do tapete”, complementou.

Investigação do TCU

Questionado sobre a investigação no Tribunal de Contas da União (TCU), que analisa se ele pode trabalhar como colunista durante o período em que está de quarentena e recebendo pagamentos do governo, o ex-ministro disse que as pessoas gostam de fazer polêmica em cima de um assunto que "não há nenhuma irregularidade".

"Isso é mais espuma do que qualquer outra coisa. Foi autorizado pela comissão de Ética do presidente da República. Eu pretendo prestar consultoria, tendo em vista que não enriquei como juiz ou ministro. Tinha recebido convite para escrever uma coluna e tive autorização da comissão de Ética, então não tem violação para o que o TCU pediu esclarecimentos. Tudo isso foi esclarecido, é porque o pessoal gosta de fazer polêmica", disse.

Eleições

Após deixar o governo Bolsonaro, Moro passou a ser cotado como candidato para 2022. Entretanto, na entrevista ele disse que não é o momento de pensar em 2022. “Temos de nos preocupar com 2020, temos uma crise sanitária que ceifou a vida de brasileiros e teremos problemas de emprego e renda. Antecipar essas discussões só serve aos próprios políticos e não à população. Precisamos diminuir essa polarização excessiva que compromete o debate. O que vemos nos últimos anos é o acirramento político eliminando a tolerância. O que se vê em rede social com discurso de ódio ou episódio lamentável de gente brincando de Ku Klux Klan e soltando fogos no Supremo, não é nossa tradição. Quem tem voz tem responsabilidade. Antecipar um debate de 2022, é ruim para o País", ponderou.

Ouça a entrevista com Sergio Moro na íntegra: