Com as mãos na cabeça e sentado na lama, José Cláudio Batista olhou para o horizonte e viu a ausência de tudo. Sem camisa e descalço, certamente, se sentia nu. O casebre no Jardim Monte Verde, Zona Sul do Recife, onde morava há 15 anos com a mulher e os dois filhos, já não existe mais. Foi levado perto “de uma e pouca da manhã" desta segunda-feira (12) pela barreira que cedeu, após as fortes chuvas que se abateram contra a cidade durante o final de semana. Negro, desempregado, com uma filha hospitalizada - viva, graças à garra dele próprio que escavou o barro “com as unhas” até encontrar a cria - uma esposa depressiva e outro menino, não sabe onde vai dormir esta noite nem como acordar amanhã.
Foi o trepidar do chão que despertou o alerta. O grito do filho pedindo socorro, logo em seguida, confirmou que o que eles tanto temiam estava acontecendo. Em meio ao desespero de fugir da avalanche de lama que invadia a casa, olhou para trás e sentiu falta da menina de 14 anos. “Eu disse: ‘Cadê minha filha?’ e meu filho respondeu: ‘não sei, papai. Tá ai enterrada’”. O desespero só não foi maior do que a vontade de socorrer a filha. Naquela hora, nada dos poucos pertences que tinha o importavam.
“Eu dizia: ‘Eu só quero minha filha, Jesus’. Eu entrei no barro todo molhado e comecei a procurar por ela. Eu cacei tanto minha filha. Procurei tanto, mas eu só vi muito tijolo e muito barro em cima dela”, lembrou. “Pedi ajuda ao vizinho, cavei, cavei, aí encontrei o pé dela. Mas ela estava sem respirar lá dentro. E não tinha como eu puxar porque estava muito pesado”, contou.
Ele não desistiu. “Sai limpando e achei a cabeça dela. Virei a cabeça da minha filha e ela disse: ‘papai, não deixa eu morrer’ e eu disse: ‘eu vou tirar você’. Mas começou a ceder mais coisa, vinha descendo mais coisa para cima dela e o tempo estava fechado para chover mais ainda”. Na agonia, se segurou na fé. “Jesus, deixa eu tirar minha filha daqui, Deus”, disse ele algumas vezes. “Tirei muito pedaço de tijolo, metralha, muito concreto de cima dela. Até choque ela levou, mas consegui tirar minha filha”.
Com o céu azul da manhã seguinte ao temporal, ainda sem saber do estado de saúde da filha “que saiu com muita dor na coluna e sem mexer as pernas”, José Cláudio se perguntava se essa tragédia não poderia ter sido evitada. “Isso já tinha acontecido há dois anos, mas, daquela vez, ninguém se feriu”. “Nós chamamos a prefeitura, pedimos que colocassem lona, ‘coloca lona aqui porque é arriscado ceder’, mas nunca vieram aqui”, reclama.
E o futuro?
Completamente desamparado, a dúvida que persiste na cabeça de José Cláudio é sobre o futuro. “Eu me sinto sem noção de nada. Não sei onde morar. Não tenho família aqui. Eu vou morar onde? Vou pra debaixo da ponte. Eu não tenho condições de ficar aqui”, disse.
Resposta
A reportagem do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação procurou a Prefeitura do Recife para falar sobre a tragédia. Em nota, a prefeitura disse que a Autarquia de Urbanização do Recife (URB) "tem investido em obras de contenção definitiva de encostas na comunidade de Jardim Monte Verde, no Ibura. Atualmente, estão em andamento quatro obras deste tipo na área. A partir de um investimento de R$ 2.750.000,00, as ruas Maurício de Nassau, Lírio dos Vales, Monte Pascoal e Rosa de Saron estão recebendo serviços de drenagem, instalação de tela argamassada e construção de muros de arrimo e muretas de proteção".
A nota segue informando que a URB "segue trabalhando em busca de recursos para realizar novas intervenções de erradicação de pontos de risco nas áreas de morro do Recife, como na Primeira Travessa Chapada do Araripe, por exemplo" e finaliza dizendo que a Prefeitura do Recife "está investindo mais de R$ 96 milhões na Ação Inverno 2021, incluindo ações de defesa civil, obras de contenção de encostas, eliminação de pontos de acúmulo de águas e limpeza de canais, entre outras".
A Prefeitura do Recife não citou nenhuma assistência à família do seu José Cláudio Batista.