VIOLÊNCIA POLICIAL

A gente não pode normalizar esse tipo de situação, diz advogado sobre morte de adolescente por PM

Adolescente foi morto com um tiro na cabeça durante abordagem policial em Jaboatão dos Guararapes

Ísis Lima
Ísis Lima
Publicado em 06/08/2020 às 16:59
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FOTO: Cortesia

O assassinato de um adolescente de 17 anos em Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes, reforça o debate sobre a violência policial. A família de Jhonny Lucindo Ferreira acusa a Polícia Militar de ter assassinado o jovem com um tiro na cabeça. O caso aconteceu na última terça-feira (4) e a vítima pegou uma carona de motocicleta com um amigo após sair da oficina do avô, onde trabalhava, quando foi morta. Para o advogado e especialista em segurança pública do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, mesmo que os policiais estejam trabalhando sob tensão, não se pode normalizar situações como essa.

“A gente sabe que em alguns contextos, se é uma área com mais criminalidade, em geral, o policial trabalha com mais medo, com mais tesão, e isso pode ser um elemento que facilite o erro, mas a gente não pode normalizar esse tipo de situação”, alertou.

O advogado comenta que a abordagem que deixou o adolescente morto mostra alguns problemas. “A polícia pode fazer uso da arma de fogo em legítima defesa, ou uma ameaça contra o policial ou a terceiros, mas precisa ser uma ameaça bem concretizada, já colada ou prestes a acontecer. Mas não há possibilidade e autorização para a polícia, por exemplo, fazer disparos contra veículos em fuga. Existe até lei federal falando sobre isso. Os policiais precisam ter um protocolo para abordagem e mesmo em casos em que há certeza da ocorrência do crime várias cautelas ainda têm que ser tomadas justamente para evitar mortes de inocentes ou mesmo mortes desnecessárias de suspeitos”, apontou o advogado.

Por meio de nota, a Polícia Militar de Pernambuco disse os policiais do 6º Batalhão da Polícia Militar teriam recebido informações sobre uma dupla em uma motocicleta que estaria praticando assaltos na região e que ao ver as vítimas em “atitude suspeita, os policias deram ordem de parada, que não foi obedecida”. Ainda de acordo com a nota, a motocicleta parou mais adiante, “um deles correu e o outro colocou a mão na cintura, dando a entender que estaria armado. Nesse momento, o policial atirou”.

Entretanto, a versão é contestada por uma testemunha, que não quis se identificar. Ela contou que em momento algum foi pedido para que os jovens parassem e que os policiais já chegaram atirando. Além disso, as câmeras de segurança do local do crime também foram retiradas.

Langeani aponta inconsistências na versão da polícia. “Mesmo a justificativa da polícia parece um pouco estranha, porque uma pessoa, mesmo que estivesse com uma arma de brinquedo ou simulacro, dificilmente faria menção de reagir contra policiais com arma em punho. E ainda há relatos de testemunha falando sobre alteração da cena do crime, sumiços de câmeras de segurança. De fato, é importante que se faça uma investigação independente e se possa descobrir o que aconteceu nesse caso. Se for encontrada uma ilegalidade, que esse policial seja punido”, apontou.

Revisão de protocolos

Além da punição, caso seja comprovada a culpa do policial militar, o caso também como uma possibilidade de revisão de protocolos. “É muito importante que a polícia reveja esse caso sob a perspectiva de revisão de protocolos. O que falhou ali nessa ocorrência para que tivesse essa morte?”, comentou o advogado. “Quando a gente olha o perfil das mortes cometidas pela polícia a gente vê que há um perfil específico. Isso é mais comum em bairros periféricos. Também é comum que se morram mais jovens e negros”, disse.

Discursos violentos e incentivo de morte de criminosos

Ele ainda acrescenta que discursos políticos que incitam a violência também reverberam em situações como essa. “Nós precisamos também falar de todo um discurso violento que a gente tem visto também na nossa política que acaba incentivando, indiretamente, com que esses casos aconteçam. A gente teve uma grande discussão nas eleições sobre essa questão de excludente de ilicitude, sobre atirar para matar. Além disso não ter um amparo na lei atualmente, é algo que incentiva mortes desnecessárias e muitas vezes mortes de inocentes. Inclusive, nós, enquanto sociedade, aplaudirmos que a polícia mate criminosos, a gente também está incentivando que casos de inocentes também aconteçam”, alertou.

Na avaliação do especialista, mesmo as ocorrências legítimas da polícia em que terminam com suspeitos mortos, é preciso entender que esses casos são indesejados. “Qualquer tipo de confronto é algo que coloca em risco terceiros - a população e os policiais - e para o combate ao crime, como um todo, é muito mais eficiente você conduzir uma pessoa presa do que matar. Quando você prende alguém, você consegue ter informações sobre toda cadeia do crime. Se é um roubo, você consegue ir atrás do receptador desses itens roubados. Se é tráfico de drogas, você consegue ter mais informações sobre quem fornece, quem está ganhando dinheiro com esse tipo de prática. E quando uma pessoa é morta tudo isso é perdido. A gente precisa enxergar o resultado-morte como algo indesejado e a ser evitado o máximo possível”, concluiu.