O Plenário do Senado concluiu a votação da PEC Emergencial (PEC 186/2019), que permite ao governo federal pagar o auxílio emergencial em 2021 por fora do teto de gastos do Orçamento e do limite de endividamento do governo federal, nessa quinta-feira (4).
Aprovada em segundo turno, a proposta segue para a Câmara dos Deputados. O valor, a duração e beneficiários do novo auxílio emergencial já foram divulgados, mas ainda serão oficializados pelo Executivo.
A PEC permite que o auxílio emergencial seja financiado com créditos extraordinários, que não são limitados pelo teto de gastos. As despesas com o programa não serão contabilizadas para a meta de resultado fiscal primário e também não serão afetadas pela chamada regra de ouro — mecanismo que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes, de custeio da máquina pública.
O programa ficará limitado a um custo total de R$ 44 bilhões. Durante a votação, senadores rejeitaram destaque do PT, que pedia a supressão do limite. Foram 55 votos contra o destaque. Eram necessários 49 votos.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) afirmou que a supressão seria "dar um cheque em branco" para o governo no extra-teto. Líder da minoria, Jean Paul Prates (PT-RN) disse que a intenção era garantir espaço para um benefício de R$ 600 reais. Pelos cálculos do senador, o limite de R$ 44 bilhões só permitirá um auxílio de R$ 150.
"Basta pegar o valor total e dividir pelo número de beneficiados cadastrados hoje. Dá R$ 150 reais. Queremos tirar. Se é cheque em branco, não vamos sair com alcunha de quem colocou limite no auxílio emergencial", disse Jean Paul.
"Com o limite, o governo quer apenas uma desculpa para não pagar um auxílio de R$ 600", apontou a senadora Leila Barros (PSB-DF).
"O cheque em branco é para o governo fazer a parte dele. No ano passado, o governo queria dar R$ 200, mas foi o Congresso que aprovou R$ 600", disse.
Segundo governistas, não há espaço fiscal para repetir o valor.
"É claro que gostaríamos de colocar no auxílio emergencial R$ 600 por seis meses. Até recuperarmos tudo o que perdemos vai muito tempo ainda, mas precisamos ter responsabilidade e saber de onde vai sair esse dinheiro", argumentou a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS).
A primeira versão do auxílio emergencial ultrapassou os R$ 300 bilhões de custo total, tendo chegado a cerca de 68 milhões de pessoas, em duas rodadas: na primeira, que durou cinco meses, foram parcelas de R$ 600 por pessoa; na segunda, chamada de "auxílio residual", foram parcelas de R$ 300 durante quatro meses, e com um público-alvo menor. O novo montante representa menos do que o auxílio residual, que custou cerca de R$ 64 bilhões.
Caso a PEC seja aprovada na Câmara, o governo ainda terá que editar uma medida provisória (MP) estabelecendo as novas regras do benefício. O governo tem falado em quatro parcelas de R$ 250, valor criticado por senadores de oposição, que defendem benefício de R$ 600, como ocorreu no início da pandemia.
A redação final da PEC é resultado do trabalho do relator Marcio Bittar (MDB-AC), que apresentou o substitutivo aprovado. O líder do governo Fernando Bezerra (MDB-PE) elogiou a nova versão do texto.
Foram 62 votos a favor do texto-base no segundo turno, mesmo número de votos da primeira etapa de votação. O texto passou pelo primeiro turno, na quarta-feira (3).
A aprovação da PEC foi possível após acordo entre governo e oposição para a quebra de interstício (prazo). Sem o acordo, o segundo turno ficaria para a próxima semana.
Em contrapartida, a proposta impõe medidas de contenção fiscal para compensar o aumento de despesas. A principal delas são dispositivos a serem acionados quando os gastos do poder público atingirem um determinado patamar. Esses "gatilhos" passam a ser permanentes e válidos para todas as situações de estado de calamidade pública decretadas oficialmente, e não restritos à pandemia de covid-19.
Durante a votação da proposta, a oposição fez uma série de tentativas de retirar do texto as contrapartidas fiscais propostas pelo governo por meio de destaques, todos rejeitados. A derrota dessa estratégia levou senadores da oposição a votarem contra a PEC Emergencial, mesmo sendo a favor do auxílio emergencial viabilizado por essa proposta.
Na esfera federal, todas as vezes em que a relação entre as despesas obrigatórias sujeitas ao teto de gastos e as despesas totais superar 95%, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e o Ministério Público deverão vedar aumento de salário para o funcionalismo, realização de concursos públicos, criação de cargos e despesas obrigatórias, concessão de benefícios e incentivos tributários e lançamento de linhas de financiamento ou renegociação de dívidas.
Os estados e municípios estão sujeitos à mesma regra dos 95%, porém apenas de forma facultativa. No caso desses entes da federação, também será possível acionar as medidas de contenção de gastos quando a relação entre as despesas correntes e as receitas correntes (impostos e contribuições) atingir 85%. Nesse caso, a implementação dependerá apenas de atos do Executivo, com vigência imediata.
A PEC também traz a previsão de diminuir incentivos e benefícios tributários existentes. Segundo o texto, o presidente da República deverá apresentar, em até seis meses após a promulgação da emenda constitucional, um plano de redução gradual desse tipo de benefício. São feitas exceções a programas como o Simples, o subsídio à Zona Franca de Manaus e a produtos da cesta básica e o financiamento estudantil para alunos do ensino superior.
Segundo o texto, será permitido o uso do superavit financeiro de fundos públicos para amortizar a dívida pública de União, estados e municípios. Se não houver dívida a ser paga, o recurso poderá ser aplicado livremente.
A partir da promulgação da PEC Emergencial, a Constituição passará a contar com um regime orçamentário excepcional para situações de calamidade pública — como é o caso da pandemia. Segundo o texto, durante a vigência do estado de calamidade, a União deve adotar regras extraordinárias de política fiscal e financeira e de contratações para atender às necessidades do país, mas somente quando a urgência for incompatível com o regime regular.
As proposições legislativas e os atos do Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas ficam dispensados de observar várias limitações legais, desde que não impliquem despesa obrigatória de caráter continuado. Entre as regras que ficam suspensas está a proibição de concessão ou ampliação de benefício tributário que gere renúncia de receita. Também estão suspensos os limites e condições para contratação de operações de crédito. O regime extraordinário também permitirá a adoção de contratação simplificada de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e de obras, serviços e compras.
O superavit financeiro apurado em 31 de dezembro do ano anterior poderá ser destinado à cobertura de despesas com medidas de combate à calamidade pública, além do pagamento da dívida pública. Durante a vigência da calamidade pública, ficará também suspensa a proibição de que pessoas jurídicas em débito com o sistema de seguridade social assinem contratos com o poder público.
A PEC prevê, ainda, que uma lei complementar poderá definir outras suspensões, dispensas e afastamentos aplicáveis durante a vigência da calamidade pública.
A decretação do estado de calamidade pública, que vai disparar o regime extraordinário, passa a ser uma atribuição exclusiva do Congresso Nacional, a partir de proposta do Executivo.
A PEC também muda regras para vinculação de receitas, liberando fatias do Orçamento que hoje são destinadas exclusivamente a certas áreas. Atualmente, a Constituição proíbe a vinculação de receitas tributárias, com algumas exceções. A proposta mexe nessa estrutura, estendendo a proibição para todos os tipos de receita e expandindo as exceções.
Uma ressalva que desaparece é a que permite a vinculação de receitas para serviços de administração tributária — dessa forma, essa vinculação passa a ser proibida. Por outro lado, uma série de fundos federais são incluídos entre as ressalvas e poderão manter receitas orçamentárias reservadas para eles: Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), Fundo Nacional Antidrogas (Funad), Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) e Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal.
Receitas de interesse da defesa nacional e as destinadas à atuação das Forças Armadas também não terão recursos desvinculados.
Originalmente, a PEC Emergencial previa outras medidas imediatas de redução de despesas para compensar o pagamento do ajuste emergencial, como o fim da vinculação orçamentária mínima para a educação e a saúde e a redução salarial de servidores públicos. Esses dispositivos causaram polêmica entre os senadores e foram removidos pelo relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC).
Atualmente, a Constituição obriga a União a aplicar, no mínimo, 18%, e os estados e municípios, no mínimo, 25%, da receita resultante de impostos na manutenção e no desenvolvimento do ensino. À saúde, a União deve destinar 15% da sua receita corrente líquida, enquanto estados e Distrito Federal, 12% da arrecadação de impostos, e municípios, 15%, também da arrecadação de impostos. Bittar afirmou ser favorável ao fim desses pisos, mas reconheceu que o debate não está “amadurecido” neste momento.
Outro item retirado do texto da PEC seria o fim dos repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Hoje, um mínimo de 28% da arrecadação do PIS/Pasep, que abastece o FAT, vai para o financiamento de programas do BNDES.
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