Transfobia em Pernambuco

Sobe para quatro o número de mulheres trans assassinadas em Pernambuco em menos de um mês; veja o que crimes têm em comum

Em todos os casos, vítimas foram mortas de forma extremamente violenta; Assassinato das quatro mulheres trans confirma baixa expectativa de vida da comunidade no Brasil

Atualizada às 13h21
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Publicado em 09/07/2021 às 10:02
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Subiu para quatro o número de mulheres trans mortas em Pernambuco em menos de um mês. Kalyndra, de 26 anos, Pérola, de 37, Fabiana, 30, e, agora, Roberta, 33 anos, - que morreu nesta sexta-feira (9) por insuficiências renal e respiratória, segundo a assessoria, após duas semanas internada - são os nomes das vítimas desses sangrentos dias para a comunidade transexual do Estado.

Entre facadas, tiro no pescoço, asfixia e corpo queimado, as vítimas foram mortas de forma extremamente violenta, com requintes de crueldade, como é o padrão nesses casos, conforme especialistas do assunto. As mortes das quatro mulheres também confirmam a baixa expectativa de vida das transexuais no Brasil, que é de apenas 35 anos de idade. (Veja linha do tempo das mortes no final desta reportagem).

Roberta Silva, de 33 anos, por exemplo, foi atacada no centro do Recife, na madrugada de 24 de junho, e teve 40% do corpo queimado. Antes de morrer, passou por cirurgias para amputação dos dois braços e estava internada desde domingo. Um adolescente de 17 anos foi apreendido suspeito de cometer a agressão.

Em entrevista à Rádio Jornal na última quinta-feira (8), a pesquisadora do Observatório da Violência de Pernambuco, Dália Celeste, havia alertado para como as mortes de mulheres trans costumam ter requintes de crueldade. "O crime de transfobia é praticado sempre com grandes requintes de crueldade. Não basta matar [na cabeça dos agressores]. São inúmeras facadas, estrangulamentos, no caso da Roberta, ela foi queimada viva”, disse Dália.

“Nós precisamos educar as crianças porque elas estão sendo ensinadas dentro dessa lógica de preconceito que trans não devem ter dignidade. [O homem que mata uma trans] ele mata porque ele não sabe lidar com o corpo que desde a infância foi ensinado a ele que é errado", completou a especialista, que também é uma mulher trans.

Baixa expectativa de vida de transexuais no Brasil

De acordo com especialistas a expectativa de vida de transexuais no Brasil é de apenas 35 anos. A informação foi dada à Rádio Jornal pela codeputada estadual Robeyoncé Lima (Juntas/Psol) e, para a CNN Brasil, pela presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP, Marina Ganzarolli. A expectativa de vida do brasileiro é mais que o dobro disso: 76,6 anos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019.

"O medo da morte é constante para a gente. [É possível fazer uma comparação com a pandemia], no caso das pessoas cis, o medo da morte pode ser uma novidade com o coronavírus, mas para a gente não é. A morte assombra a gente o tempo todo, desde muito antes da pandemia que também está matando milhares de pessoas", declarou Robeyoncé Lima, primeira codeputada travesti de Pernambuco, em entrevista ao site da Rádio Jornal.

Linha do tempo das mortes em Pernambuco

Em 18 de junho, o corpo de Kalyndra Selva Guedes Nogueira da Hora, de apenas 26 anos, foi encontrado dentro da casa onde ela morada na rua Rio Colorado, no Ipsep, zona sul do Recife. De acordo com a polícia, o corpo tinha sinais de asfixia e, provavelmente, foi encontrado dias após o crime. O principal suspeito do assassinato é o companheiro da mulher.

Poucos dias depois, na madrugada de 23 para 24 de junho, enquanto muitas famílias comemoravam o São João, o corpo de Roberta Silva, então com 32 anos, queimava. Vivendo nas ruas, ela foi atacada no Cais de Santa Rita, exatamente na região onde morava. Antes de ser intubada, Roberta conversou com a codeputada estadual Robeyoncé Lima (Psol/Juntas), no Hospital da Restauração, e disse que o crime foi motivado por discriminação. Um adolescente de 17 anos foi apreendido e cumpre medida socioeducativa. Roberta completou 33 anos de idade, enquanto estava internada na unidade de saúde, onde morreu nesta sexta-feira (9).

Na última segunda-feira (5), o corpo da cabeleireira Crismilly Pérola Bombom, de 37 anos de idade, foi encontrado com um tiro na rua das Orquídeas, na Várzea, zona oeste do Recife. A família acredita que a cabeleireira foi vítima de transfobia. Um mês antes de morrer, ela já havia sido vítima de um ataque transfóbico. Neste caso, ninguém foi preso.

Já na quarta-feira (7), Fabiana da Silva Lucas, de 30 anos de idade, foi morta com várias facadas às margens da PE-160, em Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste de Pernambuco. Antes de morrer, Fabiana havia perguntado onde era o banheiro e foi surpreendida pelo criminoso quando se aproximava do lugar indicado. Um homem de 22 anos de idade, identificado apenas como "Gaúcho", foi espancado por moradores da região e internado no Hospital da Restauração, no Recife. Testemunhas descreveram Fabiana como uma mulher "tranquila" e que não se envolvia em confusões.

Violência no Brasil

No ano passado, 237 LGBT+ morreram no Brasil, de acordo com dados do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil, produzido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB). Deste total, 94,5% correspondem a assassinatos. No topo da lista das vítimas, estão as travestis e mulheres trans, representando 70% das mortes. Há 12 anos, consecutivamente, o Brasil é o país onde mais pessoas trans são mortas em todo o mundo.