Durante o período mais crítico da pandemia do novo coronavírus, a violência contra a mulher foi uma das que mais cresceram no Brasil. É o que revela o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta segunda-feira (19) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que traz, além de outros indicadores, os impactos da covid-19 nos índices de violência do país. Uma das coordenadoras gerais do Anuário, Samira Bueno, explica que desde abril, quando os estados implementaram medidas de isolamento social para a contenção da pandemia, os registros presenciais de violência contra à mulher caíram nas delegacias, enquanto os pedidos de socorro delas no 190 aumentaram.
“Esses indicadores, especialmente aqueles registros nas delegacias, despencam (...) de lesões corporais em decorrência de violência doméstica, a gente tem uma redução de 9,9%. Caem também os registros de estupro, caem os registros de ameaça. Mas ao mesmo tempo que isso acontece, a gente tem um crescimento nos chamados do 190, que são aqueles acionamentos para a Polícia Militar. De um lado a gente tem uma redução naqueles registros que implicam na presença da mulher na delegacia de polícia (...) muitas mulheres perderam seus empregos, ou estão em casa por conta da pandemia (...) e fica mais difícil para essa mulher se deslocar, pedir ajuda e comunicar às autoridades”, disse.
Apesar de ter sofrido essa redução, o número de assassinatos de mulheres e de feminicídio subiu. O que indica que elas tiveram dificuldade em pedir socorro durante o período de quarentena.
Confira a íntegra do 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Neste ano, 648 feminicídios foram contabilizados, representando um aumento de 1,9% em relação aos seis primeiros meses de 2019. Deste total, 61% das vítimas são mulheres negras; 70,7% cursaram até o ensino fundamental; 29,8% tinham idades entre 30 e 39 anos; 88,8 % foram assassinadas pelos próprios companheiros ou ex-companheiros e 65,6% das vítimas foram assassinadas dentro de casa. O estado do Acre lidera o ranking com maior número de feminicídios no Brasil, enquanto Pernambuco ocupa a 19º posição. Para Samira Bueno, os dados já eram esperados, já que em outros países também houve aumento dos casos de violência doméstica com o surgimento da pandemia.
“Por um lado, era esperado. Desde que a pandemia iniciou, ainda na China, a gente já tinha relatos de incremento da violência doméstica, como consequência da pandemia de covid-19. Isso aconteceu em vários países europeus. E ao que tudo indica, aconteceu no Brasil também”, explicou.
O também coordenador do Anuário, Renato Sérgio de Lima, faz um paralelo da violência doméstica com a questão da desigualdade racial no país. “Quando a gente percebe que a grande maioria dos casos envolvem homens, mas também, quando a gente decompõe os dados de violência contra a mulher, eles chamam muito a atenção. E quando a gente olha para os números, a gente vai perceber, por exemplo, uma mudança no padrão racial entre a população branca e negra, a depender do crime. Mas em todos os casos os negros são mais vítimas, proporcionalmente à sua participação na sociedade. Nós temos um problema racial estrutural que precisa ser enfrentado”, comentou.
De acordo com o documento, oito em cada dez pessoas mortas pela violência policial no ano de 2019, eram negras. Das 6.357 vítimas fatais no ano passado, 79,1 % eram negras. Em entrevista ao programa Rádio Livre desta segunda-feira (19), a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carol Ricardo atribuiu os dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) ao racismo estrutural no país.
“(...) Tudo isso é fruto do racismo estrutural do nosso país. Essa é uma discussão que o Movimento Negro já vem fazendo há muito tempo, que ganhou força e impulso com a morte do George Floyd no começo desse ano, do rapaz americano negro que foi morto por um policial, e a gente tem conseguido discutir um pouco mais essa questão do racismo estrutural, que é aquilo que forjou e que organizou as relações sociais no Brasil. Fruto dos anos de escravidão e da baixa capacidade de incorporação como sujeitos de direito na nossa sociedade. Então, esse racismo estrutural permeia todas as nossas relações. E não é diferente quando a gente olha o sistema de Justiça e Segurança Pública", disse.
Confira a entrevista na íntegra:
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