RELATO

GUERRA NA UCRÂNIA: "minha mãe só conseguiu pegar escova de dentes, de cabelo e algumas roupas", conta ucraniana sobre fuga da invasão russa

Ucranianos estão vivendo dias de terror desde o início da invasão russa

Paloma Xavier
Paloma Xavier
Publicado em 14/03/2022 às 19:51 | Atualizado em 14/03/2022 às 20:00
Notícia
ARQUIVO PESSOAL
Família de Lisa. Da esquerda para a direita: sua mãe Olena, sua irmã Katya, seu cunhado Gordiy e Lisa - FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Ucranianos estão vivendo um enredo de filme de terror desde que a Rússia decidiu invadir seu país. As operações militares foram anunciadas pelo presidente russo, Vladimir Putin, em 24 de fevereiro, e, desde então, sobreviver tem se tornado um desafio.

O pernambucano Felipe Bandeira não tinha muito contato com a história do conflito internacional até namorar uma ucraniana. Yelyzaveta Husieva e ele, atualmente, estudam em Seul, na Coreia do Sul. Os dias de tranquilidade do casal foram minados após a Ucrânia ser atacada por tropas russas.

De acordo com Lisa (apelido de Yelyzaveta), as notícias sobre a possibilidade de um ataque na Ucrânia começaram no início de fevereiro, mas “ninguém realmente acreditou ou quis acreditar. Então, quando começou de fato, ninguém esperava.”

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Lisa está estudando em Seul e antes estudava nos Estados Unidos, ou seja, não está em casa há um bom tempo. Ela relata que soube sobre a invasão através de um amigo.

“Um amigo me abordou perguntando como estava a minha família, então, fiquei assustada. Eu estava sem olhar meu celular há um tempo, e quando o peguei, tinham muitas notificações sobre os ataques nas cidades ucranianas, inclusive Kiev, onde minha família mora”, contou.

Muito preocupada com a família, a estudante ligou para sua mãe imediatamente. Por estar em outro fuso horário (eram 5h na Ucrânia), Lisa acabou acordando a mãe, que ainda não sabia dos bombardeios.

A mãe de Lisa, Olena, ligou a TV e soube dos bombardeios. Até o momento, ela não havia escutado as explosões. Só depois de ouvir as explosões por perto, a ficha caiu.

Lisa diz que a família dela não imaginava que teria que deixar a Ucrânia. Sua mãe, irmã e cunhado moram em Kiev, e outro parente mora em uma cidade menor. Além deles, mais nenhum familiar mora no oeste do país, então eles não teriam para onde ir.

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ARQUIVO PESSOAL
Lisa e sua mãe, Olena - ARQUIVO PESSOAL

A irmã de Lisa, Katya, é a única que sabe dirigir e seu carro estava quebrado quando os ataques começaram. Então, nos primeiros dias de invasão, a família não conseguiu sair de Kiev.

A capital ucraniana passou a tocar sirenes para alertar sobre as bombas e haviam “abrigos” improvisados perto da casa da família dela.

Foram dias aterrorizantes, principalmente, para Olena. Ela só conseguiu pegar escova de dentes, de cabelo e algumas roupas e foi correndo para a casa da filha para ficarem juntas.

Enquanto tentavam encontrar um abrigo para ficar, ouviam explosões o tempo todo, além dos sons secundários, como o de janelas tremendo.

Lisa conta que uma noite a família decidiu ir embora da Ucrânia porque a situação estava insustentável, pois a irmã dela está grávida de 5 meses.

Eles não tinham carro, então precisaram pedir um veículo emprestado a amigos. Sem um planejamento determinado, eles pegaram o carro e saíram dirigindo para o mais longe possível.

“Eu estou acompanhando as notícias o tempo todo. Poucas horas depois deles irem embora, eu vi vídeos de tanques chegando no bairro da minha irmã”, relata Lisa.

A ucraniana disse também que sua família viveu mais momentos alarmantes. Eles estavam presos no trânsito tentando chegar à fronteira enquanto sirenes tocavam e aeronaves russas sobrevoavam o espaço onde eles estavam. Por estarem presos na estrada, eles não sabiam se conseguiriam ficar em um lugar seguro, já que não poderiam ir para os abrigos.

Quando chegaram na cidade próxima à fronteira, souberam que nenhum homem poderia sair da Ucrânia, e seu cunhado, Gordiy, poderia ser obrigado a lutar na guerra - uma espécie de reservista.

Então, não restou alternativa para eles senão ficar em uma cidade no oeste, próxima à fronteira. Mas isso não significa que a dor de cabeça acabou: sem emprego, a família de Lisa não tem como se manter lá.

A família ficou em uma casa onde poderiam ficar até o final da semana. Além disso, muitos lugares já estão alugados, então ainda é preciso procurar por lugares disponíveis.

Lisa conseguia entrar em contato com a família todos os dias. Houve um atentado em uma torre de TV próximo ao local onde eles estavam - que vitimou 5 pessoas e machucou algumas outras -,mas eles ainda tinham acesso à internet e à TV. “As operadoras providenciaram ligações e acesso à internet gratuitos”, explicou a ucraniana.

A estudante disse que está surpresa e orgulhosa com a solidariedade das pessoas em tempo de guerra, compartilhando comida, ajudando e dando abrigo.

A mãe de Lisa decidiu ir para um lugar diferente. Foi uma decisão difícil, mas ela tem amigos na Eslováquia, onde seria mais seguro estar.

Seus últimos dias na Ucrânia não foram nada fáceis. Devido ao estresse pela preocupação com estadia, alimentação e dinheiro, Olena passou mal na rua e precisou ser socorrida. “Pessoas na rua chamaram uma ambulância para levar ela a um hospital”, conta Lisa.

Depois de se recuperar, Olena providenciou sua ida para a Eslováquia. Segundo Lisa, o trem para o país vizinho foi quase de graça, custou cerca de 1 euro. Sua mãe chegou bem, mas ainda continua sem emprego.

Olena relatou que os eslovacos estão muito empenhados em ajudar as pessoas perto das fronteiras, e que estão dando suporte nesses primeiros dias. Ela contou também por que viajou sozinha:

“Minha mãe explicou que basicamente só estão deixando pessoas mais velhas e crianças saírem do país. Não estão deixando nenhum homem sair, por isso minha irmã e meu cunhado não deixaram a Ucrânia”, diz Lisa.

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Gordyi e Katya estão esperando um filho e não podem deixar a Ucrânia agora - ARQUIVO PESSOAL

Lisa também lamenta o fato de muitos ucranianos não poderem sair do país. “Nem todas as famílias têm a oportunidade ou querem deixar Kiev. A família de alguns amigos meus, por exemplo, não queria ou não podia deixar Kiev. Então todos os dias eles ficam indo e voltando para os abrigos”. Nesse intervalo, eles colaboram com o que podem para ajudar os ucranianos a sobreviver às investidas russas através de doações e alistamento.

“Meu melhor amigo morava, oito anos atrás, em uma cidade ucraniana separatista chamada Luhansk [que foi reconhecida como independente pela Rússia recentemente]. Ele teve que se mudar para Kiev, e agora está tendo que se mudar com sua família de novo. Seu irmão de 5 anos fica questionando ‘papai, por que a gente não vai pra casa?’”, relata.

A estudante pontua, ainda, que a guerra vai além do que as pessoas veem: “A guerra em si parece aterrorizante, mas quando a gente pensa no individual é muito pior. Como você explica para uma criança de cinco anos que não dá para voltar para casa?”

Lisa e Felipe compareceram a um protesto em Seul contra as investidas russas no território ucraniano. Assim como o casal, pessoas de todo o mundo estão indo às ruas para protestar contra a invasão russa.

Interessados em ajudar podem colaborar com organizações não ucranianas dedicadas à causa aqui

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