DESCOBERTA

'Dinossauro nordestino' é descoberto no Sertão e pode mudar base para pesquisas até na Petrobras

Pesquisadores da UFPE encontraram uma vértebra que pode indicar uma configuração jurássica diferente das registradas pelos dados atuais

Paloma Xavier
Paloma Xavier
Publicado em 22/05/2022 às 8:00 | Atualizado em 23/05/2022 às 16:08
Notícia
GUGA MATOS/JC IMAGEM
À esquerda, a vértebra do Dilophosaurus encontrada pelos pesquisadores da UFPE. À direita, um fóssil, ainda em análise, que pode ser do mesmo dinossauro - FOTO: GUGA MATOS/JC IMAGEM

Paleontólogos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) divulgaram, em recente publicação, a descoberta do dinossauro mais antigo do Nordeste.

O fóssil em questão, encontrado próximo a Ibimirim (sertão pernambucano), é uma vértebra pertencente a um terópode (dinossauro bípede) do período Jurássico, que aconteceu de 145 a 200 milhões de anos atrás.

De acordo com a pesquisa, a vértebra é comparável com um Dilophosaurus de tamanho médio. O dinossauro até já fez parte de um dos filmes da série Jurassic Park, um clássico do cinema sobre esses répteis.

A descoberta ocorreu em 2019, porém, foi publicada na revista Journal of South American Earth Sciences apenas neste ano. Além do material, foi encontrado outro fóssil que pode ser do mesmo dinossauro, mas ele ainda será analisado.

Os pesquisadores localizaram a vértebra durante uma aula de campo em Ibimirim. “Na hora nos pareceu um fóssil comum, de algo que já nos era conhecido no laboratório. Crocodilos que já haviam sido descritos”, relata Édison Oliveira, um dos professores da pós-graduação de Geologia que participaram da descoberta.

O pesquisador e doutorando em Geologia Leonardo Marinho, na época mestrando, desconfiou que o material encontrado não fosse de um crocodilo. Isso porque outro fóssil de dinossauro já foi encontrado na mesma bacia, o que tornava possível que o achado fosse ainda mais especial.

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Fósseis encontrados próximo a Ibimirim, no sertão pernambucano - GUGA MATOS/JC IMAGEM

“Houve a ocorrência de uma vértebra em Petrolândia, na mesma bacia sedimentar, que foi algo que me chamou a atenção”, conta Leonardo.

“A gente analisou [a vértebra encontrada em Ibimirim] e viu que era muito parecida com a vértebra do dinossauro que eles tinham descrito. Só que a rocha [onde foi encontrada a vértebra anterior] era mais nova”, acrescentou.

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Os pesquisadores notaram semelhanças com as estruturas de uma espécie cujos fósseis foram descritos no Texas (EUA), o Dilophosaurus.

Eles entraram em contato com um pesquisador americano, que compartilhou seus estudos para que as comparações pudessem ser feitas.

Foi então que os paleontólogos descobriram que a vértebra encontrada era mesmo de um dinossauro. A pesquisa mostrou também que o animal viveu no Jurássico Médio, período que aconteceu entre 173 e 165 milhões de anos atrás.

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Pesquisadores analisaram o fóssil à esquerda e notaram semelhanças com o de um dinossauro. O material à direita pode ser do mesmo animal - GUGA MATOS/JC IMAGEM

Além de representar o dinossauro mais antigo do Nordeste, o fóssil pode servir como evidência para algo ainda maior.

“Nessa bacia, a Afro-brasileira, só existiam fósseis endêmicos, inclusive da idade jurássica. Essa vértebra é o primeiro fóssil daqui que tem uma distribuição mundial”, explica o professor da pós-graduação de Geologia e pesquisador Gelson Fambrini.

Isso significa que esse tipo de dinossauro viveu em outras regiões do planeta. “O padrão de comparação dele é dos Estados Unidos. O outro padrão é da Tanzânia, na África do Sul. Isso significa que os continentes ainda estavam reunidos, não tinham sido separados pelo rift [ruptura] ainda”, complementa o pesquisador.

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Professor da pós-graduação de Geologia e pesquisador Gelson Fambrini (esquerda), o doutorando em Geologia Leonardo Marinho (meio) e o professor da pós-graduação de Geologia Édison V Oliveira (direita) - GUGA MATOS/JC IMAGEM

O rift ao qual Gelson se refere é a ruptura da Pangeia, um “supercontinente” que se fragmentou e deu origem aos atuais continentes. Esse processo aconteceu no período Jurássico Superior ao início do Cretáceo, pelos dados atuais.

“Antes desse dinossauro, a ciência acreditava que a separação se iniciou no Jurássico Superior (Tithoniano), a chamada fase pré-rifte. Esse dinossauro indica que essa formação [Formação Aliança] ainda pertencia ao Pangeia”, detalha Gelson.

Ou seja, a vértebra encontrada pelos pesquisadores da UFPE aponta que, no Jurássico Médio, ainda havia uma configuração na qual os continentes estavam próximos, confirmando a idade jurássica para a Formação Aliança. E podendo ainda sugerir que os processos de ruptura do Pangeia tenham se iniciado antes que tido pelos dados atuais.

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Uma das próximas metas do grupo de pesquisadores é comprovar se os processos de ruptura do Pangeia tenham se iniciado antes do que foi registrado - GUGA MATOS/JC IMAGEM

De acordo com os pesquisadores, essa constatação pode, inclusive, quebrar um paradigma e até mudar a base para pesquisas da Petrobras sobre a parte econômica da bacia. Estudos para comprovar a possibilidade estão na lista de trabalhos futuros do gupo.  

Tombado pela UFPE

Os fósseis encontrados agora pertencem à UFPE. “Segundo a legislação, o fóssil é um patrimônio intelectual da União. Então, ele tem que ficar no laboratório de Paleontologia da universidade. Ele é tombado pelo laboratório. Ou seja, ele recebe um registro, que inclusive facilita nas análises”, explica Leo.

Através do tombamento, os pesquisadores protegem o material de contrabandos. Há registros de fósseis contrabandeados para o exterior, como o caso do Ubirajara jubatus, encontrado em 1995 na Bacia do Araripe (interior do Ceará) e levado de forma ilegal para a Alemanha.

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Reprodução/Instagram/@naturkundemuseumkarlsruhe
Fóssil do Ubirajara jubatus, guardado no Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha - Reprodução/Instagram/@naturkundemuseumkarlsruhe

O caso se tornou polêmico porque o fóssil foi exportado sob a autorização de um funcionário do Departamento Nacional de Produção Mineral (atualmente Agência Nacional de Mineração) que foi condenado por fraudar laudos para extração de pedras preciosas.

O Museu de História Natural de Karlsruhe, onde o fóssil está, não pretende devolver o material. O museu alega que, por só aderirem à legislação específica para os fósseis em 2015, qualquer material que tivesse sido levado à Alemanha antes do dia 26 de abril de 2007 pertenceria a eles.

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Reprodução/Instagram/@naturkundemuseumkarlsruhe
O museu alemão não pretende devolver o fóssil do Ubirajara, encontrado no Ceará - Reprodução/Instagram/@naturkundemuseumkarlsruhe

Vale ressaltar que a aula de campo que os pesquisadores identificaram a vértebra foi custeada com recursos da universidade, mas nem sempre as atividades são garantidas pelo dinheiro público.

“A gente, da universidade, tem um déficit muito grande em relação à quantidade de bolsas dos alunos. E há muito tempo o valor das bolsas não aumenta, nem com a inflação. E essa descoberta mostra que, se a gente tivesse mais recursos, a gente estaria fazendo muito mais do que a gente pode”, destaca Leonardo.

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CORTESIA/LEONARDO MARINHO
Aulas de campo contam com alunos da graduação e pós-graduação, além dos professores - CORTESIA/LEONARDO MARINHO

Em 2019, 99% da produção científica vinha das universidades públicas, segundo relatório da Clarivate Analytics para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

A Capes afirma que seu orçamento inicial deste ano é superior ao do ano passado: o valor subiu de R$ 3,01 bilhões para R$ 3,8 bilhões. Segundo a fundação, o acréscimo de 27% no investimento é destinado à pós-graduação e à formação de professores da educação básica.

Ainda de acordo com a Capes, de 2019 para 2022, o número de bolsas em mestrados cresceu de 823 para 923. Já o número de bolsas para doutorado foi de 934 para 1.131 no mesmo período.

É com esse investimento que a pesquisa feita pelas universidades públicas está sendo retomada. Os paleontólogos da UPFE pretendem voltar à região próxima a Ibimirim em busca de outros materiais relevantes.

Fósseis encontrados no Nordeste

O fóssil encontrado é o único de dinossauro do período que permanece no Nordeste, segundo os pesquisadores da UFPE.

O material encontrado em Petrolândia está no Museu de Ciências da Terra, no Rio de Janeiro. Já o identificado na Bacia do Araripe foi contrabandeado para a Alemanha, sem previsão de repatriação.

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Reprodução/Instagram/@naturkundemuseumkarlsruhe
Museu de História Natural de Karlsruhe (Alemanha), onde o Ubirajara jubatus está - Reprodução/Instagram/@naturkundemuseumkarlsruhe

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